São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Empresas podres" fazem dinheiro minguar no Brasil

LEONARDO SOUZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Transporte o Brasil para um daqueles filmes de suspense "noir". A história é a seguinte: o Brasil é a vítima no mercado internacional de empréstimos para empresas. A Argentina, a mais provável culpada de sua desgraça. Porém, no meio da trama, surge um forte suspeito, as "junk companies" norte-americanas ("empresas podres").
Desde 97, a oferta de crédito no mercado internacional está pequena para empresas de mercados emergentes. Primeiro foi a crise asiática, em outubro daquele ano. Depois, a crise russa, em agosto de 98. Em janeiro de 99, a crise cambial brasileira.
Muitos investidores perderam bastante dinheiro durante esses solavancos. Por isso, a aversão ao risco de mercados emergentes cresceu muito. Ou seja, menos disposição para emprestar para esses países.
Somado a isso, a bolha da nova economia norte-americana estourou em maio deste ano. Ações de empresas de Internet e dos setores de alta tecnologia despencaram. De 5.049 pontos em março, a Nasdaq (principal índice de preços das ações da nova economia) fechou na sexta-feira em 2.645 pontos (menos 47,6%).
Os bancos emprestaram muito dinheiro a essas empresas e agora não têm certeza de reaver tudo de volta. Isto é, menos disponibilidade de recursos.
Muitos economistas acreditavam que as empresas brasileiras teriam mais facilidade para obter empréstimos nas bancas internacionais neste ano, pois a economia do país apresentou rápida recuperação após o susto da crise cambial. Mas as portas para mercados emergentes pouco se abriram.
Um dos mecanismos mais utilizados pelas empresas para obter empréstimos no exterior é a emissão de certificados que representam dívidas. São genericamente conhecidos como bônus.
Os certificados emitidos por empresas de mercados emergentes entram na classificação de "alta rentabilidade" ("high yield"). Esses bônus são considerados de alto risco. Os investidores pedem altas taxas para comprá-los.
Mas não são os únicos. As "junk companies" lançam no mercado seus títulos, os "junk bonds", que também pagam altas taxas.
De acordo com a Thomson Financial Securities Data, em 98 foram emitidos US$ 1,462 trilhão em papéis "high yield" em todo o mundo. Em 99, o volume dessas operações caiu para US$ 1,091 trilhão. Até novembro deste ano, foram US$ 744,927 bilhões.
Para contornar a dificuldade de emitir títulos lá fora, os bancos e empresas brasileiras passaram a recorrer a outra modalidade de crédito externo: os chamados empréstimos sindicalizados. Um conjunto de bancos empresta o dinheiro ao tomador e, assim, divide o risco.
Nos primeiros meses de 2000, as condições eram animadoras. Em janeiro, as empresas e os bancos (principalmente) tomaram empréstimos de US$ 2,066 bilhões.
Passado o pior momento da crise nas Bolsas, a situação voltou a ficar mais calma no exterior. Novos empréstimos externos voltaram a ser concedidos a empresas e bancos brasileiros, principalmente entre junho e setembro.
Depois de muitos meses, algumas empresas brasileiras planejaram emitir títulos no exterior no final do ano. Porém, entre outubro e novembro, as coisas pioraram lá fora, provocando o adiamento da maior parte das operações.
Para muitos, ficou claro que a deterioração da economia argentina era o principal motivo das dificuldades para as empresas de mercados emergentes captarem dinheiro no exterior. Mas um dos maiores obstáculos a essas emissões está na economia norte-americana. A queda das ações da nova tecnologia deixou muitas empresas de terceira linha daquele país em maus lençóis.
Segundo o Chase Manhattan, a inadimplência nos empréstimos às "junk companies" subiu de 3%, entre 94 e 99, para 6%, neste ano.
O risco dessas empresas aumentou muito. Por isso, tiveram que pagar mais para obter empréstimos. Os bônus dessas empresas passaram a pagar mais que os títulos de companhias de mercados emergentes, o que atraiu muitos investidores externos.



Texto Anterior: Greenspan vira "Grinch", o ladrão de Natal
Próximo Texto: Tendências internacionais: Política monetária pode evitar recessão nos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.