São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Companheiro Bush

BENJAMIN STEINBRUCH

Daqui a uma semana, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vai sentar-se diante do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Sabemos que Lula e o PT não morrem de amores pelos americanos, mas, como Deus é grande, sempre há uma esperança de que, pelo seu temperamento e franqueza, Lula caia nas graças do companheiro Bush, como o chamou durante a campanha eleitoral.
Em qualquer hipótese, não se pode ter ilusões a respeito dos resultados imediatos da visita à Casa Branca. No máximo, deve-se esperar que o presidente americano, mais esperto do que se pensa, está longe de querer cultivar novas antipatias no maior país da América Latina. Por isso, Lula deveria preparar-se para passar ao presidente americano algumas informações que ele decerto não teve tempo de conhecer. Bush provavelmente não sabe quão graves são os efeitos do conjunto de medidas protecionistas de seu governo em um país que precisa exportar cada vez mais para alcançar seu objetivo central de crescimento econômico e criação de empregos.
Lula deveria ser muito objetivo em sua conversa do dia 10 na Casa Branca. Para se preparar para esse encontro, nem precisa sair de casa. No site da Embaixada Brasileira em Washington há um trabalho de mais de 80 páginas, preparado e atualizado pelo eficiente embaixador Rubens Barbosa, sobre o contencioso brasileiro com os EUA.
Bush precisa saber que seu pacote de 5 de março, baixado para proteger a siderurgia americana com sobretaxas sobre a importação de vários tipos de aço, provoca pesadas perdas para o Brasil. Desde que as medidas entraram em vigor, as exportações brasileiras de aço tiveram queda média de 41%. Em alguns tipos de aço, como chapas grossas laminadas a frio e galvanizadas, a queda chegou a quase 100%.
Bush certamente desconhece que, além da siderurgia, outros setores eficientes e competitivos da agroindústria brasileira são fortemente prejudicados por tarifas de importação impostas pelos EUA. Para entrar no mercado americano, o açúcar brasileiro paga uma tarifa de US$ 338,70 por tonelada extra-cota. Sobre o tabaco, há uma taxa de 350%, também extra-cota. O etanol (álcool carburante) é taxado por alíquota de 2,5% mais US$ 0,52 por galão. Os têxteis, 38% mais US$ 0,48 por quilo.
Seria bom que Bush soubesse que o "Farm Act", renovado neste ano e que dará subsídios anuais de US$ 17,5 bilhões durante seis anos à produção agrícola americana, provoca enormes prejuízos ao Brasil. Segundo estimativa da Confederação Nacional da Agricultura, o país perderá US$ 2,4 bilhões por ano em exportações por causa dessa lei americana. A força dos subsídios torna os produtos dos EUA competitivos interna e externamente e tira mercado dos brasileiros.
Bush deveria saber que a carne bovina brasileira, fresca ou congelada, está fora do mercado americano por causa de injustas barreiras sanitárias. Deveria saber que, mesmo sendo um dos maiores exportadores mundiais de frango, o Brasil não vende nenhum quilo do produto nos EUA, também por conta de barreiras sanitárias injustificadas.
Bush com certeza não sabe que os 20 principais produtos de exportação brasileiros são taxados nos EUA com alíquotas médias de 39,1% e que, em contrapartida, os 20 principais itens de exportação americana sofrem taxação média de apenas 12,9% no Brasil.
A legislação protecionista americana foi montada, ao longo dos anos, em função de poderosos lobbies políticos para sustentar produtos industriais e agrícolas pouco eficientes dos EUA. Seria ingênuo achar que 60 minutos de conversa de Lula com Bush pudessem alterar qualquer vírgula nessa legislação. De qualquer forma, Lula deveria aproveitar seu tempo para deixar na cabeça do presidente americano algumas informações que, pelas pesadas responsabilidades de chefe de Estado da nação mais poderosa do mundo, Bush não tem tempo nem obrigação de conhecer. No futuro, gravadas pelo menos no subconsciente do companheiro Bush, elas poderão ajudar o Brasil em casos específicos.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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