São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

A tecnologia da superindenização

Como se montam as superindenizações contra o Estado brasileiro? O caso Mendes Júnior-Chesf é didático para entender esse problema, que tem acarretado perdas enormes ao contribuinte brasileiro.
Todo contrato de prestação de serviços está sujeito a dois princípios jurídicos. O primeiro, o equilíbrio financeiro do contrato. Um contrato não pode conter cláusulas ou ser submetido a situações que impliquem o seu desequilíbrio financeiro. Para tanto, todo contrato bem elaborado prevê cláusulas de correção e multa para eventuais atrasos que possam comprometer o seu equilíbrio financeiro.
O índice adotado para correção, em geral, é o que corresponde ao chamado custo de oportunidade -ou seja, o valor da parcela em atraso corrigido pela remuneração do dinheiro, caso tivesse sido pago em dia. Historicamente, contratos ou dívidas são corrigidos pelas taxas de aplicação do dinheiro no mercado financeiro.
No início dos anos 80 a Mendes Júnior conseguiu a obra de Itaparica, da Chesf, sem licitação. Foi acertada a correção dos atrasos pelo índice da ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) mais 1% de juros ao mês -o dobro dos juros da caderneta de poupança, por exemplo.
Em 1984 houve negociação entre as partes, devido aos atrasos ocorridos no período. A Chesf pretendia carência de 15 dias após o vencimento para o cálculo da correção monetária incidentes sobre as faturas em atraso; carência de 30 dias para o vencimento das faturas de correção monetária; pagamento das faturas de correção monetária pelo seu valor histórico e não-pagamento dos juros de mora de 1% ao mês.
Em 19 de maio de 1987, no entanto, em pleno governo Sarney -com quem Murilo Mendes, da Mendes Júnior, tinha relações de amizade-, a Chesf acabou abrindo mãos das exigências, pagando integralmente os atrasos sem as restrições apresentadas.
A valores de 31 de agosto de 1994, segundo estudos da Chesf, a Mendes Júnior havia recebido, a título de indenização, R$ 5 milhões a mais do que seria seu saldo se tivesse recebido em dia e aplicado no mercado financeiro.
Mas, logo em seguida, a Mendes Júnior entrou com uma ação passando a exigir que os atrasos fossem corrigidos pelas taxas de empréstimo -que, como se sabe, são incomparavelmente superiores às taxas de captação, mesmo o contrato definindo outro índice de correção.
O caso tramitou na Justiça pernambucana e chegou ao STJ Superior Tribunal de Justiça). O voto do STJ foi que a Mendes Júnior poderia receber a indenização se, de fato, comprovasse que pegou dinheiro de curto prazo no mercado para cobrir os atrasos de pagamento do governo.
Nenhum executivo financeiro responsável jamais tomaria dinheiro de curto prazo (que é caríssimo) para cobrir atrasos de pagamento do contratante para obras do tamanho de Itaparica.
O caso voltou à primeira instância e foi entregue a um perito, que -segundo os advogados da Chesf- teria levantado operações de crédito correspondentes a um pequeno percentual dos valores em atraso e -importante-jamais comprovado que os recursos tivessem sido para a obra. Mesmo assim, o perito acabou calculando o valor da dívida pelas taxas de "hot money" e chegado a uma indenização de R$ 160 bilhões.
Para a Mendes Júnior ter direito ao ressarcimento, terá que comprovar, tostão por tostão, que pegou dinheiro no mercado e aplicou na obra. Não vale essa história de levantar apenas 8% de empréstimo e considerar como amostragem. Uma empresa organizada tem documentos para comprovar todos os créditos tomados no mercado.
O segundo ponto é que tem que se comprovar que o dinheiro foi aplicado na obra, mesmo porque, desde aquela época, o grupo estava em dificuldades por conta de investimentos superdimensionados na parte siderúrgica.
Se não quiser comprovar que pegou dinheiro no mercado para aplicar na obra, será um ato de temeridade da Justiça dar ganho de causa à Mendes Júnior, assim como será da Chesf se aceitar propor um acordo para a companhia. Significaria abrir as portas do Tesouro para uma fila interminável de credores do governo, que se considerarão no direito de esquecer os contratos firmados e escolher o indexador que quiser para as dívidas em atraso, sem a necessidade de comprovar nada.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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