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LUÍS NASSIF
A tecnologia da superindenização
Como se montam as superindenizações contra o Estado brasileiro? O caso Mendes
Júnior-Chesf é didático para entender esse problema, que tem
acarretado perdas enormes ao
contribuinte brasileiro.
Todo contrato de prestação de
serviços está sujeito a dois princípios jurídicos. O primeiro, o
equilíbrio financeiro do contrato. Um contrato não pode conter
cláusulas ou ser submetido a situações que impliquem o seu desequilíbrio financeiro. Para tanto, todo contrato bem elaborado
prevê cláusulas de correção e
multa para eventuais atrasos
que possam comprometer o seu
equilíbrio financeiro.
O índice adotado para correção, em geral, é o que corresponde ao chamado custo de oportunidade -ou seja, o valor da parcela em atraso corrigido pela remuneração do dinheiro, caso tivesse sido pago em dia. Historicamente, contratos ou dívidas
são corrigidos pelas taxas de
aplicação do dinheiro no mercado financeiro.
No início dos anos 80 a Mendes Júnior conseguiu a obra de
Itaparica, da Chesf, sem licitação. Foi acertada a correção dos
atrasos pelo índice da ORTN
(Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) mais 1% de juros ao mês -o dobro dos juros
da caderneta de poupança, por
exemplo.
Em 1984 houve negociação entre as partes, devido aos atrasos
ocorridos no período. A Chesf
pretendia carência de 15 dias
após o vencimento para o cálculo da correção monetária incidentes sobre as faturas em atraso; carência de 30 dias para o
vencimento das faturas de correção monetária; pagamento das
faturas de correção monetária
pelo seu valor histórico e não-pagamento dos juros de mora de
1% ao mês.
Em 19 de maio de 1987, no entanto, em pleno governo Sarney
-com quem Murilo Mendes, da
Mendes Júnior, tinha relações de
amizade-, a Chesf acabou
abrindo mãos das exigências,
pagando integralmente os atrasos sem as restrições apresentadas.
A valores de 31 de agosto de
1994, segundo estudos da Chesf,
a Mendes Júnior havia recebido,
a título de indenização, R$ 5 milhões a mais do que seria seu saldo se tivesse recebido em dia e
aplicado no mercado financeiro.
Mas, logo em seguida, a Mendes Júnior entrou com uma ação
passando a exigir que os atrasos
fossem corrigidos pelas taxas de
empréstimo -que, como se sabe, são incomparavelmente superiores às taxas de captação,
mesmo o contrato definindo outro índice de correção.
O caso tramitou na Justiça pernambucana e chegou ao STJ Superior Tribunal de Justiça). O
voto do STJ foi que a Mendes Júnior poderia receber a indenização se, de fato, comprovasse que
pegou dinheiro de curto prazo
no mercado para cobrir os atrasos de pagamento do governo.
Nenhum executivo financeiro
responsável jamais tomaria dinheiro de curto prazo (que é caríssimo) para cobrir atrasos de
pagamento do contratante para
obras do tamanho de Itaparica.
O caso voltou à primeira instância e foi entregue a um perito,
que -segundo os advogados da
Chesf- teria levantado operações de crédito correspondentes
a um pequeno percentual dos
valores em atraso e -importante-jamais comprovado que os
recursos tivessem sido para a
obra. Mesmo assim, o perito acabou calculando o valor da dívida
pelas taxas de "hot money" e
chegado a uma indenização de
R$ 160 bilhões.
Para a Mendes Júnior ter direito ao ressarcimento, terá que
comprovar, tostão por tostão,
que pegou dinheiro no mercado
e aplicou na obra. Não vale essa
história de levantar apenas 8%
de empréstimo e considerar como amostragem. Uma empresa
organizada tem documentos para comprovar todos os créditos
tomados no mercado.
O segundo ponto é que tem que
se comprovar que o dinheiro foi
aplicado na obra, mesmo porque, desde aquela época, o grupo
estava em dificuldades por conta
de investimentos superdimensionados na parte siderúrgica.
Se não quiser comprovar que
pegou dinheiro no mercado para
aplicar na obra, será um ato de
temeridade da Justiça dar ganho
de causa à Mendes Júnior, assim
como será da Chesf se aceitar
propor um acordo para a companhia. Significaria abrir as portas do Tesouro para uma fila interminável de credores do governo, que se considerarão no direito de esquecer os contratos firmados e escolher o indexador
que quiser para as dívidas em
atraso, sem a necessidade de
comprovar nada.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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