São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Bengalada no PIB

GESNER OLIVEIRA

Evitando palavrões em homenagem ao Dia da Família, é possível imaginar o seguinte diálogo entre um assessor e um ministro da área econômica na primeira vez em que circulou dentro do governo a notícia de que o PIB caiu 1,2% no terceiro trimestre deste ano.
Ministro: "Quanto deu o PIB?".
Assessor: "menos 1,2%".
Ministro: "Você quer dizer mais 1,2%? Que boa surpresa!".
Assessor: "Não, ministro. A taxa foi negativa, mesmo".
Ministro: "Mas isso é a taxa anualizada. Quanto deu no trimestre?".
Assessor: "Não, ministro. Essa foi a taxa no trimestre. O senhor quer que divulgue a taxa anualizada?".
O diálogo foi encerrado abruptamente, e a grande repercussão que o número gerou nas últimas 48 horas é conhecida. Isso em uma semana em que o segundo quadro político mais importante do partido do governo foi cassado e em que um ônibus repleto de passageiros foi brutalmente incendiado, causando a morte de cinco pessoas.
Alguém pode argumentar corretamente que um dado para um único trimestre não deveria gerar tanta celeuma. É verdade. Não se pode extrapolar um número referente a um único período, especialmente quando a estatística está sujeita a revisões, como é o caso das contas nacionais do IBGE.
Infelizmente, o governo não costuma ter esse cuidado. Quando o PIB registrou recuperação no último trimestre de 2003, o presidente anunciou com grande estardalhaço que o país estava prestes a assistir ao "espetáculo do crescimento".
Mas não foi só o presidente. No parágrafo 15 da ata do Copom de março de 2004, referente à reunião de 16 e 17 daquele mês, observou-se que, "... a partir do segundo semestre de 2003, iniciou-se um processo de recuperação, um crescimento de 1,5% no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior, o que equivale a uma taxa anualizada de pouco mais de 6%". Para exaltar os melhores resultados da economia, várias autoridades passaram a anualizar as taxas trimestrais.
De fato, a anualização da taxa trimestral de 1,5% resulta em uma taxa anual de 6,1%. Analogamente, uma próxima (naturalmente hipotética) ata do Copom deveria assinalar que, "...a partir do terceiro trimestre de 2005, iniciou-se um processo de queda, um declínio de 1,2% no terceiro trimestre em relação ao trimestre anterior, o que equivale a uma taxa anualizada de -4,7"!
Uma queda dessa ordem de magnitude constituiria recessão grave, apenas comparável ao que ocorreu no início dos anos 90, durante o governo Collor, após o confisco da poupança e em meio a um processo hiperinflacionário.
Ao fazer um exercício de projeção para os próximos meses, não faz sentido extrapolar o declínio do terceiro trimestre. Alguns dos fatores que influenciaram a queda da produção não estarão mais em operação. É certamente o caso do ajustamento de estoques da indústria, que já surtiu efeito sobre a atividade. Ou ainda dos efeitos causados pela fase mais crítica da crise política, que, ao contrário daquilo que se propagandeava à época, afetou as expectativas de consumidores e investidores.
Tampouco faz sentido negar o efeito negativo que a overdose de juros provocou sobre a economia. E menos sentido ainda projetar um cenário róseo de crescimento sustentado para os próximos anos. É preciso lembrar que a demanda externa, que tem sido a mola propulsora do crescimento dos emergentes, não é eterna. E que as variáveis estratégicas para a expansão de longo prazo têm registrado desempenho preocupante. É o caso do investimento, que voltou a acusar queda no terceiro trimestre (de -0,9%).
O balanço de final de ano é duro para antigos campeões do crescimento como o Brasil. É duro também para o primeiro campeão brasileiro, o glorioso Atlético Mineiro, rebaixado para a segunda divisão. Uma volta para a primeira divisão exigirá trabalho sistemático e estratégia. Não é por acaso que o Brasil está em último lugar entre os emergentes em termos de crescimento.



Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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