São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Indústria editorial não tem visão", afirma Livraria Cultura

À frente de uma rede que cresce 29% ao ano e irá inaugurar sua maior loja, com 4.000 m2, em SP, Pedro Herz diz que editoras não tratam o livro como negócio

MARCELO SAKATE
DA REDAÇÃO

Prestes a inaugurar no Conjunto Nacional, em São Paulo, a maior loja da livraria que se tornou uma rede, a Cultura, 59, afirma que cresce apesar do mercado editorial brasileiro.
A crítica é do paulistano Pedro Herz, 66, dos quais 37 à frente da Livraria Cultura. "A indústria editorial é defasada. Há muito tempo é assim."
Herz reclama que falta visão à indústria editorial nacional. Diz que ela não trata o livro como negócio, pouco aposta em marketing e depende muito de compras governamentais.
E não se trata de avaliação conjuntural, motivada por episódio recente. Ele se recorda da criação da loja virtual. "Quando lançamos o site [em 1995], pedimos aos editores que nos enviassem textos sobre os livros. Mas, no início, demoravam para mandar [as informações], leitores reclamavam. No exterior, a prática já era comum."
O filho de dona Eva, a fundadora da Cultura numa época em que o serviço consistia apenas no empréstimo de livros, não deixa, porém, de reconhecer os próprios erros, explicitados quando busca explicar por que a livraria tem crescido.
"Fomos obrigados a fechar as filiais nos anos 70 e 80. A que abrimos na estação São Bento [do metrô paulistano] tinha 40 m2. Nunca havia no estoque o que o cliente queria", recorda.
Aprimorar o serviço tornou-se uma obsessão.
A unidade prevista para fevereiro reflete esse pensamento. Substituirá as quatro lojas do Conjunto Nacional -a primeira aberta em 1969- e terá auditório, restaurante do grupo Viena e espaço para exposições, no local onde, por quatro décadas, funcionou o Cine Astor. Serão 4.000 m2, ou cem vezes o tamanho da antiga filial.
As demais cinco unidades da rede, todas em shoppings, foram inauguradas nos últimos seis anos, um ritmo acelerado para uma livraria que teve um único ponto até 2000 -as quatro lojas do Conjunto Nacional são consideradas uma só unidade. Visão, entretanto, não compartilhada pelo livreiro.
"Não é acelerado. A estrutura é a mesma para todas as lojas e nos permite crescer", insiste Herz. Segundo ele, condições de negociação de despesas mais favoráveis explicam o início das operações da Cultura em shoppings, em 2000.
Já a opção por lojas maiores é definida pelo livreiro como "uma questão de mais espaço físico para os clientes".
Mas pode ser também uma questão de sobrevivência. "As livrarias que não se modernizaram, com um número maior de títulos, a criação de sites ou no atendimento, por exemplo, fecharam. Foi o que ocorreu com muitas pequenas livrarias de bairro", avalia Eduardo Yasuda, presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias).
O diagnóstico se aplica ao mercado dos últimos anos, mas evidencia também em que bases a Cultura se sustentou.

Marketing emocional
Uma delas é a tecnologia, presente, por exemplo, no cadastro informatizado com dados de mais de 950 mil clientes, que permite ações direcionadas para fidelizar o leitor. É a estratégia definida como "marketing emocional" por Sérgio, 35, o primogênito de Pedro.
Ele e o irmão, Fábio, dois anos mais novo, ajudam o pai a administrar a Cultura desde o início dos anos 90, quando ela já gozava de prestígio entre autores e intelectuais, mas deixava a expansão de lado.
"Não somos anunciantes. Não acho que se conquista leitores pela mídia", diz Herz.
Além da falta de apreço a esse marketing, ele se diz cético quanto à eficácia de práticas como descontos agressivos ou parcelamentos sem juros.
"Acho que há outros fatores para os quais o leitor dá importância além do preço", diz. É uma alusão ao orgulho da família, o atendimento qualificado, que possa orientar o leitor. É o outro alicerce da expansão.
O processo de admissão inclui de prova de conhecimentos gerais à aprovação do candidato pelos funcionários que já trabalham em uma loja. "Como a remuneração é coletiva, ninguém vai querer alguém sem qualificação", diz Herz.
Os métodos pouco ortodoxos na gestão do capital humano se refletem na sala que o livreiro ocupa no 11º andar de um edifício na avenida Paulista.
Ele tem como companhia pouco mais de uma dezena de jovens de calça jeans e camiseta, que trabalham no núcleo de atendimento ao site, na ante-sala. Não há secretária, só uma telefonista para o andar.
"Para quê secretária? Eu mesmo marco meus compromissos", conta Herz enquanto mostra o palmtop que utiliza para organizar sua agenda.
O mesmo raciocínio é aplicado nos negócios. Em vez de contratar uma construtora para a futura unidade no Conjunto Nacional, a família Herz decidiu montar uma equipe própria de engenharia, que terceiriza o serviço. A decisão traz economia e flexibilidade para alterar projetos, diz Sérgio.
Não que a rede esteja em má situação financeira. Neste ano, o faturamento deve chegar a R$ 151 milhões, alta de 26% em relação a 2005. Desde 2001, a expansão média anual tem sido de 29%. Já o mercado editorial, no mesmo período, cresceu a um ritmo médio de 4,5%.
As perspectivas favoráveis -o cronograma prevê uma unidade nova por ano até 2010- levam Pedro Herz a não se preocupar em planejar com exatidão o futuro. Ele diz apenas que o caminho é a profissionalização da gestão.
"Já decidimos que a geração familiar [à frente da Cultura] acaba aqui. Está nos estatutos. Não quero meus netos envolvidos. Talvez entre um sócio ou podemos abrir o capital."
Tais mudanças, porém, não ocorrerão tão cedo. "As perspectivas são favoráveis nos próximos anos. Não temos por que pensar nisso agora."


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