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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Dilemas da política fiscal
A política fiscal não pode carregar sozinha a responsabilidade pela aceleração do crescimento
O GOVERNO tem sido criticado
por não atacar o problema
fiscal. Segundo um ponto de
vista bastante disseminado entre os
economistas, o desequilíbrio das finanças públicas, provocado por gastos excessivos, seria um dos principais obstáculos à recuperação da
economia. Ao longo de 2006, foram
lançados diversos alertas, alguns em
tom dramático, sobre os riscos decorrentes de um suposto descontrole das contas do governo.
Os dados disponíveis não parecem
dar sustentação a esse ponto de vista. É verdade que, em 2006, houve
uma diminuição do superávit primário em relação ao nível recorde
registrado no ano anterior. Mas a
queda não chega a preocupar. No
acumulado em 12 meses até novembro último, o superávit primário do
setor público consolidado (governo
central, governos estaduais, governos municipais e empresas estatais)
foi de 4,4% do PIB, situando-se um
pouco acima da meta oficial. No
mesmo período, o déficit nominal
(que inclui as despesas de juros) alcançou 3,2% do PIB, nada de extraordinário para padrões internacionais.
A dívida governamental, comparada ao PIB ou às receitas públicas,
vem sofrendo diminuição gradual
desde 2004. Em novembro último, a
dívida líquida do setor público consolidado (exclusive base monetária)
representava 44% do PIB, outro indicador que não discrepa muito das
médias internacionais.
Portanto os resultados foram razoáveis. Não há crise fiscal à vista.
Mas também não se pode dizer que a
situação das contas públicas seja
confortável. A carga tributária aumentou muito e é -esta, sim- excepcionalmente elevada para um
país em desenvolvimento. O investimento público foi drasticamente reduzido, inclusive em setores vitais, o
que contribuiu para as notórias deficiências em áreas como transporte,
energia, saneamento básico, defesa
nacional, segurança pública e segurança aérea. Os gastos correntes
não-financeiros cresceram de forma
acelerada. A dívida interna é de prazo médio curto e carrega o ônus das
extravagantes taxas de juro praticadas pelo Banco Central.
O presidente Lula, no discurso da
segunda posse, anunciou um Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que será iniciado em janeiro. O PAC ainda não foi detalhado, mas já temos uma idéia dos seus
principais aspectos. As indicações
são que ele se apoiará, em larga medida, na política fiscal.
Os dois pilares principais serão,
pelo que se sabe, um conjunto de
medidas de desoneração tributária,
voltadas para estimular os investimentos privados, e uma ampliação
dos investimentos públicos em infra-estrutura.
Há espaço para isso nas contas do
governo? Depende, evidentemente,
do tamanho do pacote e da presença
ou não de medidas complementares. Se a diminuição de impostos e o
aumento do nível dos investimentos
não forem compensados, ao longo
do período 2007-2010, por cortes de
gastos correntes não-financeiros, o
resultado será uma diminuição do
superávit primário. Dada a conta de
juros, isso trará um aumento do déficit e da dívida do setor público. Um
aumento substancial do déficit pode
colocar em risco o seu financiamento e a rolagem da dívida pública.
Por outro lado, se o pacote for modesto ou se os cortes de tributos e a
ampliação dos investimentos forem
acompanhados de uma redução
aproximadamente equivalente nos
gastos primários correntes, o impacto líquido sobre a demanda agregada será pouco significativo. O efeito expansivo do aumento dos investimentos e da diminuição da carga
tributária será contrabalançado, pelo menos em parte, pelo efeito contracionista da diminuição das despesas primárias correntes. Pode até
haver uma melhora na composição
das contas públicas e uma ampliação da oferta agregada, mas a economia não receberá um impulso considerável pelo lado da demanda.
Bem sei, leitor, que estou me repetindo um pouco. Mas, como dizia
Nelson Rodrigues (frase que eu já citei umas 500 vezes), tudo o que é dito uma única e solitária vez permanece rigorosamente inédito. Eis o
que eu queria dizer: a política fiscal
não pode carregar sozinha a responsabilidade pela aceleração do crescimento. O governo terá de mobilizar
os instrumentos monetários, cambiais e creditícios, a maior parte dos
quais depende do Banco Central.
O risco é que o Banco Central,
muito independente do governo,
não se disponha a cooperar. Ou pior:
diante de uma flexibilização fiscal
que lhe pareça exagerada, o Banco
Central pode até decidir aumentar a
tenebrosa "parcimônia" na área monetária.
Nesse caso, a aceleração do crescimento não sairá do papel.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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