São Paulo, quarta-feira, 04 de fevereiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Morte súbita


"Desmaio" da indústria em dezembro só se compara ao do período do confisco de Collor ou da crise dos 1980

A SENSAÇÃO que fica é como aquela do torcedor de futebol que vê o time perder o campeonato com um gol na morte súbita. Ou de blecaute geral, de desmaio inopinado. Sim, trata-se da indústria em dezembro. Sabia-se há um mês que a produção das fábricas havia afundado no final 2008. Mas os resultados divulgados ontem pelo IBGE dão a impressão de que a indústria foi abduzida por alienígenas.
Nunca se viu coisa igual desde que temos estatísticas comparáveis da indústria (desde 1991). Talvez tenha havido coisa semelhante no confisco de Fernando Collor, em 1990, ou no colapso da economia no final da ditadura militar, no início dos anos 1980 -mas isso é mera sugestão dos números da indústria tais como aparecem nas contas do PIB, que não são comparáveis com os da nova série mensal do IBGE.
É óbvio que a economia brasileira era então muito diferente e, aparentemente, agora não está em colapso (isto é, com déficits externos ou fiscais enormes, hiperinflação e outras desordens). A comparação com aqueles períodos de desgraça serve apenas para destacar que, estranhamente, o desmaio industrial de agora foi de grandeza semelhante aos dos piores momentos da nossa história econômica.
Pode-se dizer que, não, os dados não surpreendem, dado o tumulto econômico mundial, o maior talvez em 80 anos. Pode ser. Mas a contaminação não foi apenas rápida demais; foi principalmente brusca demais. Mesmo que se leve em conta o corte do crédito externo (vimos esse filme outras vezes). Ou mesmo que se leve em conta a alta brusca dos "spreads" bancários no final de 2008, que ficou entre as duas maiores desde que há registros (2000). A pancada nas exportações, embora forte, não foi de magnitude condizente com o tombo da indústria.
A procura de uma explicação "material" para o tombo inédito não é apenas especulativa. Pode dizer algo sobre o destino da produção nos próximos meses e sobre a relevância das medidas que o governo tem tomado e pode tomar. Dizer que houve um "choque de confiança" não ajuda muito, pois resta a pergunta: por que empresas e bancos anteciparam de modo tão radical os efeitos domésticos do tombo da economia no resto do mundo?
Outro fator da retração aguda pode ter sido o tamanho dos estoques industriais no imediato pré-crise. A economia vinha crescendo a um ritmo anual de quase 7%. E então veio o colapso mundial de setembro, a seca aguda de crédito, a explosão dos derivativos cambiais, o mergulho final das commodities, tudo ao mesmo tempo. Os empresários e banqueiros podem ter decidido, pois, atirar primeiro e perguntar depois. Isto é, na dúvida diante do tumulto, resolveram queimar todos os estoques e desligar máquinas e crédito.
Ainda assim, o tombo foi chocante. Para piorar, foi muito além do apagão nos bens de consumo. A produção de máquinas e equipamentos e de bens intermediários (insumos industriais) também afundou de modo inédito. O apagão, que poderia ser temporário e transformar-se em apenas lentidão, agora é realimentado pelo também brusco aumento nas demissões. Banco Central e governo vão ter de agir mais rápido agora. Muitíssimo mais rápido.

vinit@uol.com.br


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