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ARTIGO
Preços precisam subir sem inflação
MARCOS CINTRA
Aconteceu o que não poderia ter
acontecido. E o pior é que tudo poderia ter sido evitado. A abrupta,
violenta e descontrolada desvalorização do real aconteceu da pior
maneira possível.
Mas há um lado positivo. O tumor foi lancetado. Se o governo
despojar-se de sua arrogância e
abrir sua mente para a busca de
novas soluções, será possível vislumbrar uma luz no fim do túnel.
Não é hora de especular sobre os
motivos que levaram o presidente
a sustentar a política econômica
suicida que foi adotada. Todos reconhecem que tudo começou com
a euforia causada pela inacreditável sobrevalorização do real, que
perdurou desde meados de 1994.
É verdade que a ilusão do real
forte teve resultados imediatos
inebriantes. A inflação despencou,
o fim do imposto inflacionário significou enorme ganho de renda
real para a massa assalariada, a elevação das receitas públicas surpreendeu agradavelmente os políticos, a festança dos importados e
das viagens ao exterior seduziu e
anestesiou a classe média. É verdade que a economia cresceu por
quase três anos (1995-97) e que o
governo amealhou impressionante capital político, dando-lhe grandes vitórias eleitorais.
Mas é fato também que a hora da
verdade chegou, e a fatura está sendo apresentada.
Os ganhos foram fugazes. Logo
em seguida aos delírios da recém-conquistada estabilidade, os juros
tornaram-se asfixiantes, o desemprego contaminou todas as classes,
todas as profissões, todos os setores, e a dívida pública e das empresas explodiu. Agora o salário mínimo voltou a US$ 70 mensais, o PIB
caiu para os US$ 600 milhões de
uma década atrás, e o temor da recidiva inflacionária voltou a aterrorizar capital e trabalho. Chegou
a hora de pagar a conta.
No momento, o grande desafio é
absorver os impactos causados pela desvalorização do real sem permitir que o conflito distributivo resultante implique a geração de
uma nova espiral inflacionária. É
importante saber que a desvalorização do real somente valerá a pena se três condições forem satisfeitas.
Primeiro, os preços dos produtos
comercializados com o exterior
deverão subir relativamente aos
produtos exclusivamente internos. Isso quer dizer que combustíveis, trigo, equipamentos e matérias-primas importados, café, semimanufaturados de exportação,
turismo internacional etc. precisarão ter seus preços em reais aumentados. Quanto maior o conteúdo importado nos produtos
brasileiros, maior deverá ser a elevação de seus preços. Da mesma
forma, produtos brasileiros exportados também deverão custar mais
para o consumidor interno. Se isso
não ocorrer, a desvalorização do
real terá sido inútil.
Segundo, como consequência, os
salários reais precisarão cair, ou
seja, a relação salário/câmbio terá
de evoluir contrariamente aos assalariados brasileiros. Em outras
palavras, os salários internos precisarão comprar menos do que
compravam antes. O brasileiro ficará mais pobre.
Terceiro, essa modificação nos
preços relativos e os impactos na
renda e na riqueza das diversas camadas econômico-sociais terão de
ser absorvidos sem resultar em
conflitos distributivos entre capital e trabalho, entre setores transacionados internacionalmente e os
de uso exclusivamente interno ou
entre o governo e o setor privado.
Se cada perdedor tentar recuperar
suas perdas pela elevação de seus
preços ou de sua renda, resultará o
revigoramento dos mecanismos
de indexação e a volta da espiral inflacionária.
Importante lembrar que um surto de aumento de preços não é inflação. Se os aumentos de preços
ocorrerem uma única vez ("once
and for all"), o aumento no nível
de preços terá apenas um surto e
cairá em seguida, sem implicar alta
contínua de preços. Nesse caso, a
desvalorização do real terá surtido
o impacto desejado, ainda que uns
percam e outros ganhem com a
medida. A desvalorização cambial
tenderá a equilibrar o balanço de
comércio, os juros poderão cair e o
déficit público será sensivelmente
reduzido. Nessas condições, a economia poderá voltar a crescer.
Contudo, se os perdedores não
aceitarem suas perdas e forçarem o
retorno da indexação de preços e
salários, estarão dando origem a
novo processo inflacionário, que
anulará os efeitos da desvalorização do real.
Se as três condições não forem
satisfeitas nos meses à frente, tudo
terá sido em vão, e estaremos de
volta ao passado. Resta saber se as
autoridades econômicas saberão
manejar seus instrumentos de forma a evitar que o mercado sancione elevações compensatórias de
preços.
Há uma luz no fim do túnel. Pode
ser um trem em sentido contrário.
Mas, se governo, trabalhadores e
empresários aceitarem as perdas
que couberem a cada um, provavelmente será a saída do sufoco.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque,
53, é doutor em economia pela Universidade
Harvard (EUA) e professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. É presidente
estadual do PL em São Paulo e deputado federal
eleito.
Internet: www.marcoscintra.org
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