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OPINIÃO ECONÔMICA
O Congresso aprova essas barbaridades?
ALOYSIO BIONDI
A crise do real representa uma
grande oportunidade para a população brasileira, com o Congresso Nacional e entidades de
classe à frente, refletir sobre as
inacreditáveis aberrações que
continuam a ser praticadas pelo
governo Fernando Henrique
Cardoso e passar a combatê-las:
eis alguns fatos recentes e as respectivas reflexões iniciais:
Cortes - Em 1998, o Orçamento federal destinou R$ 250 milhões para empréstimos a ser
usados, por milhões de famílias
de agricultores, na compra de
sementes (de arroz, feijão, algodão, milho, trigo, soja etc.) destinadas ao plantio. Para 1999, a
equipe cortou totalmente, não
deixou nenhum tostão para esses financiamentos. Vale dizer:
milhões de pequenos produtores
não terão dinheiro nem mesmo
para comprar sementes. Assim,
as colheitas do próximo ano,
2000, estão comprometidas.
Reflexão: o Brasil está importando arroz, feijão, trigo, milho,
algodão porque a equipe FHC
massacrou a agricultura nos últimos anos. Agora, com a explosão do real, o país precisa de
grandes safras, para reduzir as
importações, poupando dólares,
e aumentar as exportações, obtendo dólares (sem falar no
combate à inflação). O governo
deveria ter lançado um programa de emergência para a agricultura, para ampliar o plantio
-e, assim, criar empregos, acumular dólares, combater a recessão, aumentar a arrecadação. Mas o governo FHC não
muda, nunca...
Cacau - Em meados de janeiro, uma data histórica: desembarcou, na Bahia, o primeiro
carregamento de cacau, importado da África, matéria-prima
para as fábricas nacionais de
chocolate. Motivo: a produção
brasileira despencou, por falta
de apoio, o que levou os lavradores, sem dinheiro, a não combater pragas, como a "vassoura
de bruxa", que destruíram plantações. Em meados do ano passado, o governo FHC lançou solenemente um programa, destinando R$ 300 milhões à recuperação do setor. Quanto foi liberado, até janeiro? Algo como R$
125. Milhões? Não. Mil.
Reflexão: o presidente do Congresso Nacional, senador Antonio Carlos Magalhães, acredita
que o governo FHC merece
apoio incondicional?
Privilégio - No final de dezembro, o banco estatal BNDES concedeu empréstimo de R$ 220 milhões a um grupo empresarial
que "comprou" uma das ferrovias estatais. Dias antes, esse
grupo havia participado de um
consórcio que "comprou" a Fepasa, a estatal paulista, para
pagar em 30 anos, com prestações trimestrais de R$ 116 mil
(mil, mesmo). A "entrada", paga à vista, foi de 20% do preço,
ou míseros R$ 60 milhões. Esse
grupo empresarial, portanto,
desembolsou a parte que lhe cabia, ou 10%, isto é, R$ 6 milhões.
Quer dizer: privatização do governo FHC é sempre assim: o
grupo "comprador" finge que
paga ninharias como essa de R$
6 milhões e, dias depois, recebe
fortunas como esses R$ 220 milhões do BNDES.
Reflexão: o governo FHC, no
falso "ajuste fiscal", corta R$
250 milhões para a compra de
sementes -que, além disso, seriam devolvidos em poucos meses, após a nova colheita. E dá
R$ 220 milhões a um único grupo empresarial. A juros baixíssimos, especiais. E a longuíssimo
prazo.
Exportações - O BNDES faz financiamentos a grandes grupos
exportadores, com taxas de juro
iguais às do mercado mundial.
Quem paga a diferença em relação aos juros cobrados no mercado brasileiro? O Tesouro. O
governo. Subsídios para grandes
grupos. Agora, o governo anuncia "apoio" especial para estimular pequenas e médias empresas a exportar. Quais as taxas de juro? TR mais 12% ao
ano. Juros escorchantes. Impossível concorrer lá fora.
Telefones - Essa distorção é de
arrepiar qualquer um. O governo decidiu que em todas as regiões do país devem existir duas
empresas de telefonia: a estatal
antiga privatizada (como a Telesp, no caso de São Paulo) mais
uma outra, que deverá manter a
concorrência e por isso mesmo
chamada de "espelho".
O leilão para escolher as "empresas-espelho" foi realizado há
semanas. O governo não fixou
um "preço mínimo" para a
"compra" do direito de explorar
o serviço, isto é, a concessão.
Mas havia um "preço de referência", de R$ 1,2 bilhão, no total, para todas as regiões do
país. O leilão rendeu apenas R$
120 milhões, ou 10% do previsto,
para o Tesouro. O governo jogou
no lixo, no mínimo, no mínimo,
a porcaria de R$ 1 bilhão.
O diretor de um grupo multinacional exultava, com um dos
"melhores negócios do mundo",
segundo ele, em entrevista à
"Gazeta Mercantil". Pudera:
sua empresa ficou com a região
Leste do país, incluindo o Rio de
Janeiro, com 85 milhões de habitantes. Vai "pagar" algo como
R$ 40 milhões. Ou, mais exatamente, o equivalente a 58 centavos (centavos, mesmo) por habitante/futuro cliente.
O próprio jornal lembrava
que, no leilão para a "empresa-espelho" da telefonia celular na
Grande São Paulo, o custo para
a vencedora ficou em algo como
R$ 170 por habitante, cliente.
Ou 30 vezes o "preço" que o Tesouro receberá agora...
Reflexão: o governo FHC está
aproveitando a crise para "torrar" ainda mais escandalosamente patrimônio e fontes de
renda da sociedade.
Com o Congresso
O "ajuste fiscal" do governo
FHC é a manutenção das distorções dos últimos anos. Cortes,
aumentos de impostos atingem
apenas milhões de agricultores,
milhões de pequenos e médios
empresários, milhões de brasileiros da classe média e povão.
Os privilégios aos grandes grupos se repetem, à custa de toda a
sociedade. Há algo de esdrúxulo
na política de empréstimos do
BNDES, que merece um estudo
aprofundado do Congresso, verificando-se até mesmo o cronograma de desembolso dos empréstimos -para observar se bilhões de reais não estão sendo
entregues a grandes grupos para
que eles apliquem na especulação com o dólar. Mais ainda:
para a reconstrução da economia nacional, o Congresso deve
exigir que o governo FHC coloque o BNDES, Banco do Brasil,
bancos estatais à disposição de
centenas de milhares ou milhões
de empresários, e não de poucos
grupos.
O ministro Malan insiste em
denegrir o Congresso, responsabilizando-o pela "disparada" do
dólar, provocada, segundo ele,
pelo atraso na aprovação do
ajuste fiscal. O Congresso precisa abandonar a atitude passiva,
suicida, e defender-se. É fácil
provar, para a opinião pública,
que a queda do real era "pressentida" havia meses pelos
grandes grupos e bancos.
Basta o Congresso fazer dois
levantamentos:
a) Um, no próprio Banco Central, identificando as empresas
que, desde setembro, pagaram
antecipadamente empréstimos
no exterior, para fugir da futura
desvalorização;
b) Outro, na Bolsa de Mercadorias & Futuros, para identificar empresas e bancos que compraram (contratos de) dólar à
larga, para lucrar bilhões e bilhões com o ataque ao real.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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