|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nas negociações com os vizinhos, Brasil decide adotar estratégia mais política
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O governo brasileiro está negociando com a Argentina com
base em critérios menos econômicos e mais políticos e estratégicos, porque o grande temor
é que a presidente Cristina
Kirchner sofra uma acachapante derrota nas eleições de
outubro. Na visão do Itamaraty, não convém ter seu vizinho mais estratégico enfraquecido politicamente em meio à
crise financeira internacional.
A popularidade de Cristina já
foi em torno de 60% e está ao
redor de 20%, esfarelando a
partir da crise com o campo, da
redução de investimentos e do
aumento da inflação, do desemprego e da pobreza, fenômenos que já se desenhavam
no país antes de a crise internacional bater no continente.
Os atuais 20% de Cristina são
insuficientes para garantir a vitória nas eleições parlamentares, quando serão renovados
metade da Câmara e um terço
do Senado. O risco é o governo
perder perigosamente as condições de governabilidade.
Apesar de a Argentina ter
uma economia muito mais pujante, por exemplo, do que
Equador, Bolívia e Paraguai, o
Brasil tenta conduzir as relações bilaterais com grau semelhante de condescendência, admitindo que tem uma indústria
muito mais competitiva e que
precisa realmente negociar algumas concessões.
A estratégia é explicada pela
diplomacia olhando o mapa
mundi: não há no mundo vizinhos que sejam indiferentes
um ao outro. Ou vivem em pé
de guerra, como Índia e Paquistão, ou fazem acordos e concessões mútuas para aumentar o
poder conjunto, como Austrália e Nova Zelândia. É neste segundo caso que o Brasil encaixa
suas relações com os vizinhos,
especialmente a Argentina.
Apesar de o chanceler Celso
Amorim ter se irritado com a
ministra do Desenvolvimento,
Débora Jorge, na última reunião ministerial bilateral, em 17
de fevereiro, a determinação
brasileira é tentar minimizar os
atritos entre setores empresariais e entre os ministérios de
comércio dos dois países.
Conforme a Folha apurou,
ele tentou assumir um tom
contemporizador, falando em
"atenuar o impacto da crise" no
vizinho. Ela, ao contrário, foi
"quase agressiva", reclamando
dos "70 meses [não chega a
tanto] de déficit comercial" do
país. No fim, Amorim olhou o
relógio e disse que estava tarde
e os ministros brasileiros "tinham mais o que fazer".
A Argentina foi superavitária
na relação com o Brasil de 1995
a 2003, primeiro ano do governo Lula, quando o vizinho passou a crescer entre 6,5% e 8%, e
o Brasil não chegava nem à metade disso. A curva passou então a se inverter. Com a economia da Argentina muito aquecida, o Brasil aumentou as exportações para o país, com superávit de 2003 a 2008. Vieram
então a crise e, em consequência, o protecionismo.
Para o Planalto e o Itamaraty, porém, a queda de 40%
nas exportações brasileiras para o país tem menos a ver com
as medidas protecionistas e
muito mais com a reversão de
expectativa de crescimento e a
queda de demanda interna
-especialmente no setor automotivo, responsável por cerca
de 30% do comércio bilateral.
Texto Anterior: Saiba mais: Retração já assombra o país vizinho Próximo Texto: Atividade da indústria de SP cai 16% em janeiro Índice
|