São Paulo, quarta-feira, 04 de março de 2009

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Nas negociações com os vizinhos, Brasil decide adotar estratégia mais política

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O governo brasileiro está negociando com a Argentina com base em critérios menos econômicos e mais políticos e estratégicos, porque o grande temor é que a presidente Cristina Kirchner sofra uma acachapante derrota nas eleições de outubro. Na visão do Itamaraty, não convém ter seu vizinho mais estratégico enfraquecido politicamente em meio à crise financeira internacional.
A popularidade de Cristina já foi em torno de 60% e está ao redor de 20%, esfarelando a partir da crise com o campo, da redução de investimentos e do aumento da inflação, do desemprego e da pobreza, fenômenos que já se desenhavam no país antes de a crise internacional bater no continente.
Os atuais 20% de Cristina são insuficientes para garantir a vitória nas eleições parlamentares, quando serão renovados metade da Câmara e um terço do Senado. O risco é o governo perder perigosamente as condições de governabilidade.
Apesar de a Argentina ter uma economia muito mais pujante, por exemplo, do que Equador, Bolívia e Paraguai, o Brasil tenta conduzir as relações bilaterais com grau semelhante de condescendência, admitindo que tem uma indústria muito mais competitiva e que precisa realmente negociar algumas concessões.
A estratégia é explicada pela diplomacia olhando o mapa mundi: não há no mundo vizinhos que sejam indiferentes um ao outro. Ou vivem em pé de guerra, como Índia e Paquistão, ou fazem acordos e concessões mútuas para aumentar o poder conjunto, como Austrália e Nova Zelândia. É neste segundo caso que o Brasil encaixa suas relações com os vizinhos, especialmente a Argentina.
Apesar de o chanceler Celso Amorim ter se irritado com a ministra do Desenvolvimento, Débora Jorge, na última reunião ministerial bilateral, em 17 de fevereiro, a determinação brasileira é tentar minimizar os atritos entre setores empresariais e entre os ministérios de comércio dos dois países.
Conforme a Folha apurou, ele tentou assumir um tom contemporizador, falando em "atenuar o impacto da crise" no vizinho. Ela, ao contrário, foi "quase agressiva", reclamando dos "70 meses [não chega a tanto] de déficit comercial" do país. No fim, Amorim olhou o relógio e disse que estava tarde e os ministros brasileiros "tinham mais o que fazer".
A Argentina foi superavitária na relação com o Brasil de 1995 a 2003, primeiro ano do governo Lula, quando o vizinho passou a crescer entre 6,5% e 8%, e o Brasil não chegava nem à metade disso. A curva passou então a se inverter. Com a economia da Argentina muito aquecida, o Brasil aumentou as exportações para o país, com superávit de 2003 a 2008. Vieram então a crise e, em consequência, o protecionismo.
Para o Planalto e o Itamaraty, porém, a queda de 40% nas exportações brasileiras para o país tem menos a ver com as medidas protecionistas e muito mais com a reversão de expectativa de crescimento e a queda de demanda interna -especialmente no setor automotivo, responsável por cerca de 30% do comércio bilateral.


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