São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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VIROU MAR

Com o fim de um ciclo de seis anos de seca, represa passa de 5% para 90% da capacidade e ativa a economia da região

Cheia em Sobradinho leva prosperidade ao sertão nordestino

CHICO SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SOBRADINHO

O fim de um ciclo de seis anos de seca e de águas baixas, o pior da história da represa de Sobradinho, o maior lago artificial do mundo, é motivo de festa para Germano Lino da Silva, "seu" Manu, 58, pequeno agricultor da Vila São Luiz, distrito do município de Casa Nova, norte da Bahia.
No fim do ano passado, "seu" Manu e os filhos plantaram uma roça de cebola nos dez hectares de terra que a família possui na margem esquerda da represa. A safra prometia, mas estava prestes a se perder por falta de irrigação.
O lago estava seco, com pouco mais de 10% da capacidade de armazenamento. A água para molhar a roça tinha de ser bombeada a 1 km do local. A família não tinha equipamentos suficientes para o bombeio. Um vizinho mais remediado emprestou equipamentos e a safra foi salva.
"Seu" Manu e os oito filhos colheram 600 caixas de 20 kg de cebola (12 toneladas), vendidas ao máximo de R$ 7 cada uma. A roça rendeu R$ 4.000, para um custo de produção de R$ 2.000. O óleo diesel para mover as bombas pôs o custo nas alturas.
Agora, a família se prepara para semear uma nova roça de cebola. A diferença é que o lago está com 90% da capacidade cheia, a água quase dentro do terreno. Menos trabalho, menos custo, possivelmente, maior lucro. "A roça vai ficar por uns R$ 1.200", disse Erimar Silva, 34, um dos filhos.
É a maior cheia do lago de Sobradinho desde 1997, última vez em que ele chegou a 100% da capacidade (100,44%). O lago existe desde 1978, mas desde 1931, quando começaram a ser feitas as medições do rio São Francisco na região de Juazeiro (cidade a 508 km de Salvador), não havia um ciclo de seis anos seguidos de baixa afluência de águas do rio para a região. O pior ciclo anterior era o de 1953 a 1955.
O fato é motivo de comemoração para pequenos e grandes agricultores, pescadores, navegantes e, principalmente, para a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), dona da barragem do São Francisco. "Estão garantidos pelo menos dois anos de tranquilidade na geração de energia", afirmou Paulo Vieira, gerente da empresa em Sobradinho.

Pulmão
Sobradinho gera, na potência máxima, 1.050,3 megawatts de energia elétrica, cerca de um quarto do necessário ao abastecimento de um Estado como o Rio de Janeiro e 10% de toda a energia gerada pela Chesf. Mas sua função geradora é secundária. O lago funciona, como diz Vieira, como "o pulmão da Chesf". O represamento da água e sua vazão controlada são essenciais para o funcionamento das sete usinas existentes rio abaixo, que geram até 8.921,2 megawatts, quase 90% da energia que abastece o Nordeste, exceto o Maranhão.
Além disso, do fluxo liberado por Sobradinho depende o bom funcionamento da navegação, essencial para o escoamento da soja produzida na região de Barreiras, na Bahia. As chatas vencem o desnível de 32,5 metros do lago por meio de uma eclusa (espécie de elevador de água) e seguem até Juazeiro e Petrolina (PE), 40 km adiante, na divisa de Bahia e Pernambuco. Dali, a soja é transportada para vagões ferroviários. Quanto menos água, menos grãos os comboios transportam.
A agricultura irrigada nas áreas abaixo do lago e o abastecimento de água de cidades como Juazeiro e Petrolina, que, juntas, somam mais de 400 mil habitantes, dependem também da vazão de Sobradinho. Cheio, o lago chega a 320 km de extensão, cobrindo uma área que representa quase 20% do Estado de Sergipe.
A barragem precisa liberar um mínimo de 1,1 milhão de litros (1.100 metros cúbicos) por segundo, sob risco de comprometer todas as atividades rio abaixo. Para a operação plena do sistema elétrico, é necessário liberar 2,1 milhões de litros por segundo.
Em 2001, ano do racionamento de energia, o volume do lago chegou a apenas 5% da capacidade.
O enchimento de Sobradinho neste ano só foi possível por causa da estação de chuvas favorável.
Em janeiro, choveu em Juazeiro 450 milímetros, o mesmo que a média anual dos últimos 30 anos.
No fim de março, o São Francisco estava levando para o lago cerca de 5 milhões de litros de água por segundo, dos quais a barragem só deixava passar 1,1 milhão de litros. Sobradinho cheio evita até 2006, salvo por razões estratégicas, o acionamento das usinas termelétricas emergenciais do Nordeste, que encarecem a energia elétrica para todo o país. E garante para "seu" Manu água farta para plantar e alimentar a família e o pequeno rebanho de nove cabeças de gado.


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