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VIROU MAR
Com o fim de um ciclo de seis anos de seca, represa passa de 5% para 90% da capacidade e ativa a economia da região
Cheia em Sobradinho leva prosperidade ao sertão nordestino
CHICO SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SOBRADINHO
O fim de um ciclo de seis anos
de seca e de águas baixas, o pior
da história da represa de Sobradinho, o maior lago artificial do
mundo, é motivo de festa para
Germano Lino da Silva, "seu" Manu, 58, pequeno agricultor da Vila
São Luiz, distrito do município de
Casa Nova, norte da Bahia.
No fim do ano passado, "seu"
Manu e os filhos plantaram uma
roça de cebola nos dez hectares de
terra que a família possui na margem esquerda da represa. A safra
prometia, mas estava prestes a se
perder por falta de irrigação.
O lago estava seco, com pouco
mais de 10% da capacidade de armazenamento. A água para molhar a roça tinha de ser bombeada
a 1 km do local. A família não tinha equipamentos suficientes para o bombeio. Um vizinho mais
remediado emprestou equipamentos e a safra foi salva.
"Seu" Manu e os oito filhos colheram 600 caixas de 20 kg de cebola (12 toneladas), vendidas ao
máximo de R$ 7 cada uma. A roça
rendeu R$ 4.000, para um custo
de produção de R$ 2.000. O óleo
diesel para mover as bombas pôs
o custo nas alturas.
Agora, a família se prepara para
semear uma nova roça de cebola.
A diferença é que o lago está com
90% da capacidade cheia, a água
quase dentro do terreno. Menos
trabalho, menos custo, possivelmente, maior lucro. "A roça vai ficar por uns R$ 1.200", disse Erimar Silva, 34, um dos filhos.
É a maior cheia do lago de Sobradinho desde 1997, última vez
em que ele chegou a 100% da capacidade (100,44%). O lago existe
desde 1978, mas desde 1931, quando começaram a ser feitas as medições do rio São Francisco na região de Juazeiro (cidade a 508 km
de Salvador), não havia um ciclo
de seis anos seguidos de baixa
afluência de águas do rio para a
região. O pior ciclo anterior era o
de 1953 a 1955.
O fato é motivo de comemoração para pequenos e grandes agricultores, pescadores, navegantes
e, principalmente, para a Chesf
(Companhia Hidrelétrica do São
Francisco), dona da barragem do
São Francisco. "Estão garantidos
pelo menos dois anos de tranquilidade na geração de energia",
afirmou Paulo Vieira, gerente da
empresa em Sobradinho.
Pulmão
Sobradinho gera, na potência
máxima, 1.050,3 megawatts de
energia elétrica, cerca de um
quarto do necessário ao abastecimento de um Estado como o Rio
de Janeiro e 10% de toda a energia
gerada pela Chesf. Mas sua função
geradora é secundária. O lago
funciona, como diz Vieira, como
"o pulmão da Chesf". O represamento da água e sua vazão controlada são essenciais para o funcionamento das sete usinas existentes rio abaixo, que geram até
8.921,2 megawatts, quase 90% da
energia que abastece o Nordeste,
exceto o Maranhão.
Além disso, do fluxo liberado
por Sobradinho depende o bom
funcionamento da navegação, essencial para o escoamento da soja
produzida na região de Barreiras,
na Bahia. As chatas vencem o desnível de 32,5 metros do lago por
meio de uma eclusa (espécie de
elevador de água) e seguem até
Juazeiro e Petrolina (PE), 40 km
adiante, na divisa de Bahia e Pernambuco. Dali, a soja é transportada para vagões ferroviários.
Quanto menos água, menos grãos
os comboios transportam.
A agricultura irrigada nas áreas
abaixo do lago e o abastecimento
de água de cidades como Juazeiro
e Petrolina, que, juntas, somam
mais de 400 mil habitantes, dependem também da vazão de Sobradinho. Cheio, o lago chega a
320 km de extensão, cobrindo
uma área que representa quase
20% do Estado de Sergipe.
A barragem precisa liberar um
mínimo de 1,1 milhão de litros
(1.100 metros cúbicos) por segundo, sob risco de comprometer todas as atividades rio abaixo. Para
a operação plena do sistema elétrico, é necessário liberar 2,1 milhões de litros por segundo.
Em 2001, ano do racionamento
de energia, o volume do lago chegou a apenas 5% da capacidade.
O enchimento de Sobradinho
neste ano só foi possível por causa
da estação de chuvas favorável.
Em janeiro, choveu em Juazeiro
450 milímetros, o mesmo que a
média anual dos últimos 30 anos.
No fim de março, o São Francisco estava levando para o lago cerca de 5 milhões de litros de água
por segundo, dos quais a barragem só deixava passar 1,1 milhão
de litros. Sobradinho cheio evita
até 2006, salvo por razões estratégicas, o acionamento das usinas
termelétricas emergenciais do
Nordeste, que encarecem a energia elétrica para todo o país. E garante para "seu" Manu água farta
para plantar e alimentar a família
e o pequeno rebanho de nove cabeças de gado.
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