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MARCIO POCHMANN
Outro padrão civilizatório
Outro padrão civilizatório
precisa ser constituído, o ser humano e o ambiente não
podem ficar em 2º plano
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Atravessar a vida com o coração fechado é como fazer uma viagem no porão do navio (Alexander Lowen)
HÁ UM inconteste mal-estar
no conjunto da sociedade
humana. A dominante opção pela atual organização da economia transformou-se num dos principais constrangimentos ao avanço
coletivo do bem-estar social. Nos
dois últimos séculos, a organização
econômica em torno da primazia do
ter tornou-se materialmente insaciável tanto quanto os desejos subjetivos podem permitir. Assim, ganham relevância os limites gerados
por decisões fundadas exclusivamente no progresso material.
De um lado, estão os limites da relação entre o crescimento e a desigualdade social. Neste começo de
século, percebe-se que só 25% da
população concentra 75% da produção mundial, enquanto menos de
250 mil clãs de famílias (0,2% da população mundial) respondem por
quase 50% da riqueza global. Por
fim, cerca de 500 corporações transnacionais ameaçam dominar todos
os setores de atividade econômica.
Parece nítida a desgovernança
mundial ante a pequenez das atuais
organizações multilaterais constituídas no segundo pós-guerra
(ONU, Bird, FMI etc.) para tratar da
diversidade de situações em que o
gigantismo do poder econômico encontra-se cada vez mais concentrado e o peso da grande corporação
transnacional supera a força de muitas nações. Em 2006, por exemplo,
as três maiores empresas transnacionais do mundo registraram faturamento superior ao PIB brasileiro.
Na mesma marcha das concentrações da riqueza e do poder econômico, ressaltam-se os limites da relação entre crescimento e sustentabilidade ambiental. Na organização da
economia para o ter, a tendência de
destruir os recursos naturais como
base do progresso material produz
catástrofes observáveis, sem contar
com aquelas já antecipadas pelos estudos sobre o aquecimento global.
Na toada atual, a Sibéria vira um
pântano; e a Amazônia, uma savana.
A continuidade da generalização
do modelo de organização econômica dos países ricos não levará à homogênea universalização do bem-estar global.
Pelo contrário, conforme explicou
Celso Furtado, a reprodução mimética do padrão de crescimento dos
ricos entre as nações periféricas resulta na internalização aprofundada
do subdesenvolvimento, com a necessária marginalização de parcelas
crescentes da população para viabilizar o regozijo do consumo conspícuo de poucos.
Da mesma forma, a insustentabilidade ambiental pela atual organização econômica exige inexoravelmente a reconsideração da riqueza
do ter. Enquanto nos países ricos o
consumo material ao ano supera 70
toneladas per capita, nas nações pobres ele não alcança 30 toneladas.
Vale lembrar que a produção de um
barril de petróleo responde por três
toneladas de dejetos, bem como a
obtenção de 1 m3 de madeira tende a
equivaler a 3 m3 de árvore perdida.
E a plantação de um hectare de soja
pode resultar em até 20 toneladas
de solo comprometido.
Outro padrão civilizatório precisa
ser constituído no mundo. O ser humano e o ambiente não podem permanecer em segundo plano. A organização da economia deve ser o
meio necessário para o atendimento do desenvolvimento humano
sustentável, o que significa dizer
que os bens não devem ser valorizados intrinsecamente, mas em conformidade com a sua capacidade de
produzir o avanço do bem-estar de
toda a humanidade com a menor
agressão possível ao ambiente. Do
contrário, prevalecerão as duas categorias básicas de homens a se
manterem no porão do navio: os pobres excluídos da dignidade humana e os ricos condenados à solidão e
à lógica da rivalidade.
MARCIO POCHMANN , professor licenciado do Instituto de
Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e
de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de
Campinas, é presidente do Ipea.
Excepcionalmente, hoje, a coluna de
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.
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