São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Juros deverão cair, mas no longo prazo, afirma economista

Para diretor do Bradesco, grau de investimento não deve elevar entrada de dólares e déficit externo evitará alta maior do real

Octavio de Barros diz que status contribui para a menor instabilidade, mas o que determina crescimento é a perseverança nas reformas

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Na quarta-feira passada, quando recebeu a notícia de que a agência de classificação de risco Standard & Poor's promoveu o Brasil a grau de investimento, o economista Octavio de Barros, 50, diretor de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, não escondeu a satisfação. Ele foi um dos poucos analistas que mantiveram, desde o agravamento da crise internacional, no início deste ano, a aposta de que o Brasil iria ser promovido a grau de investimento ainda neste semestre. Muitos analistas passaram a acreditar que esse novo degrau só seria atingido em 2009.
Apesar da boa notícia, Barros não acredita que o grau de investimento vá fazer o Banco Central baixar os juros no curto prazo. A nova classificação só vai ajudar o país a atingir mais rápido uma taxa normal de juros, mas ainda vai levar um tempo para isso acontecer.
O economista também não acredita numa valorização expressiva do câmbio. A taxa de câmbio, a seu ver, tende a se manter no patamar que se encontra agora. Sua aposta é a de um câmbio, no final do ano, a R$ 1,75 por dólar. Leia entrevista concedida à Folha:  

FOLHA - Qual é a importância do grau de investimento para o Brasil?
OCTAVIO DE BARROS
- O mais importante de tudo é que o grau de investimento retira uma incerteza de médio e longo prazos sobre o câmbio. Historicamente, incerteza sobre o câmbio sempre foi o calcanhar-de-aquiles do Brasil. Significa que teremos um financiamento mais confortável do balanço de pagamentos daqui para a frente. Para um país onde a instabilidade cambial sempre foi a origem do sobe-e-desce da economia via inflação, esse é um belo sinal e facilita o trabalho de combate à inflação por parte do Banco Central.

FOLHA - Isso significa que os juros vão cair?
BARROS
- Os juros futuros mais longos já estão caindo. O mercado se dá conta de que o câmbio tende a deixar de ser um fator de pressão inflacionária como foi a vida toda. Além disso, seria impensável que o Brasil, classificado como grau de investimento, mantenha-se durante muito tempo com juros reais de segundo maior país do mundo, atrás apenas da Turquia. Não faz o menor sentido.

FOLHA - O Banco Central já pode pensar em queda de juros?
BARROS
- Claro que não no curto prazo. Não tem nada a ver o trabalho do BC com a minha convicção de que a taxa de juros vai cair para padrões normais no médio e longo prazos. A obtenção do grau de investimento vai acelerar o processo de convergência para a normalidade.

FOLHA - Mas o Banco Central não poderia fazer um ajuste menor do que planejava?
BARROS
- O BC vai fazer o possível para não correr o risco de jogar fora todo um esforço desses últimos anos. As pessoas têm que entender que uma das razões, talvez a mais importante, para a promoção do Brasil a grau de investimento foi justamente a autonomia do Banco Central para zelar pela estabilidade monetária. O grau de investimento premiou uma construção monetária bem-sucedida, dentro de um regime de metas de inflação que completará dez anos no ano que vem. É um privilégio ter um Banco Central cuidando de forma autônoma do combate à inflação. O presidente Lula sacou isso bem antes de muita gente. A autonomia do Banco Central se fortalece com a obtenção do grau de investimento.

FOLHA - Até quanto os juros ainda podem subir neste ano?
BARROS
- Nem mesmo os diretores do Banco Central devem saber. Tudo vai depender de como a evolução corrente da inflação afetar as expectativas dos formadores de preços e de salários neste momento em que há um furor remarcatório com base no aumento de custos vindos de fora. Acho que o Banco Central vai ter que aumentar o tom para inibir os formadores de preços a repassarem 100% dos custos importados. Minha intuição é a de que a inflação de 2008 não é mais uma grande preocupação do BC. Algo pode ser feito apenas do ponto de vista das expectativas. A próxima reunião já terá influência na demanda de 2009. Se eu fosse banqueiro central, faria tudo para evitar que as expectativas da inflação para 2009 não desgarrassem do centro da meta de 4,5%. Já em relação à inflação de 2008, não há muito a fazer.
Até que o Brasil não vem se saindo tão mal neste ano em relação aos outros países até mais maduros institucionalmente do ponto de vista de autonomia de bancos centrais.

FOLHA - Existe o risco de o real se valorizar muito depois do grau de investimento?
BARROS
- Câmbio é balanço de pagamentos, e não um princípio vago de que vamos ter uma avalanche de dólares. Eu não acredito em avalanche de dólares. O Brasil já está caro, 80% do grau de investimento já era previsto. Neste momento, a novidade já está toda no preço dos ativos. As empresas listadas em Bolsa no Brasil estão mais caras do que as mexicanas, por exemplo. É claro que sabemos que tudo que é bom aprecia câmbio. Tudo que implica um país mais confiável para financiamentos e investimentos atrai capitais.
Neste momento, acho que vale mais o sinal do déficit em transações correntes de US$ 23 bilhões que estimo para este ano. Representa 1,4% do PIB. A mudança foi muito rápida. Mesmo sabendo que a causa dessa deterioração é o ritmo da demanda doméstica, e não a taxa de câmbio, tenho para mim que os formadores de preços no mercado de câmbio não tratarão isso de forma irrelevante, apesar de o grau de investimento significar que esse déficit terá financiamento confortável.
Além disso, o dólar no mundo tende a se fortalecer um pouco ante o euro e a outras moedas e isso provoca um pequeno ajuste para baixo no preço das commodities. Em outras palavras, acho que a taxa de câmbio real tende a se manter próxima do patamar onde está. Ainda prevejo um câmbio de final de ano de R$ 1,75.

FOLHA - O Banco Central vai ser obrigado a comprar mais moeda para reservas?
BARROS
- A ação no câmbio só pode ser a de suavizar movimentos bruscos. Ele não pode mudar o rumo da história. Felizmente ou infelizmente, em regime de câmbio flutuante, não nos é dado o direito de termos preferências a respeito de taxa de câmbio. Qualquer intervenção mais brusca só tem efeitos temporários.

FOLHA - Alguns consideram que o grau de investimento vai trazer mais investimento especulativo. O sr. concorda?
BARROS
- Não faz nenhum sentido. É justamente o oposto. Éramos considerados "investimento especulativo", agora somos "investimento não-especulativo". O grau de investimento favorece muito também o investimento com perspectiva de longuíssimo prazo.

FOLHA - Que influência o grau de investimento terá no crescimento econômico?
BARROS
- O grau de investimento é o próprio atestado de que o PIB potencial brasileiro aumentou. É o resultado de um processo cumulativo de 15 anos de políticas macroeconômicas que poderíamos classificar como decentes. Apesar dos erros, dos equívocos, das omissões e dos apagões, o Brasil acertou muito mais do que errou nesse tempo. O grau de investimento contribui para a menor volatilidade da economia e, conseqüentemente, para maior previsibilidade e maior produtividade. Dá para fazer planos, olhar dez anos à frente. Poderia dizer que o grau de investimento favorece, mas não determina um crescimento maior. O que determina um crescimento maior é a perseverança nas reformas e não perder nunca o sentido de urgência. Para 2008, sigo com 4,8% de crescimento do PIB, e, para 2009, 4,5%.


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