São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2010

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BENJAMIN STEINBRUCH

Álibi perfeito


A deterioração das contas públicas do Brasil seria um álibi perfeito para justificar novas altas dos juros

OS FATOS das últimas semanas mostram uma grande diferença entre os blocos econômicos mundiais no que se refere à saída da crise.
Na Ásia, principalmente na China, já há um crescimento econômico tão acelerado quanto antes de setembro de 2008. Lá, de fato, a crise foi uma marolinha que deixou poucos estragos.
No Brasil, também se cultiva a preocupação com um possível superaquecimento devido à expansão da demanda interna. O Banco Central elevou a taxa básica de juros na semana passada para 9,50% ao ano, em minha opinião de forma precipitada, mas deixa isso pra lá -todos já conhecem o que penso sobre esse assunto: trata-se da escolha da política do medo.
Nos EUA, a recuperação parece estar a caminho, com três trimestres seguidos de crescimento do PIB. Apesar disso, os juros básicos seguem entre zero e 0,25% ao ano.
Na Europa, a situação de países do sul é dramática, com reflexos em todo o continente e fora dele. Sem socorro financeiro do FMI e da União Europeia como o concedido à Grécia ( 110 bilhões), alguns países poderão entrar em default (calote).
A origem dos problemas da Europa está nos deficit fiscais. O tratado de Maastricht, que em 1992 criou a União Europeia, tem entre seus pilares a recomendação, imposta pela Alemanha, de que os deficit fiscais dos países se mantenham no limite máximo de 3% do Produto Interno Bruto.
A meta de austeridade fiscal de Maastricht passa longe da Europa.
Nem a própria Alemanha vai cumpri-la. O deficit fiscal médio para a zona do euro deve ficar em 2010 acima de 7% do PIB. A Grécia encerrou 2009 com deficit de 13,6%, depois que o novo governo divulgou os números corretos e admitiu que o anterior maquiava as contas.
Os gregos estão pagando caro pelo excesso de gastos. Caíram no que o economista Paul Krugman chamou de "armadilha do euro".
Precisariam aumentar exportações para cobrir o deficit e para isso teriam de desvalorizar sua moeda, mas não podem fazer isso, porque a moeda (euro) é comunitária. Sobra, então, a opção de buscar ajuda externa e fazer um profundo corte de gastos do setor público, com enorme desgaste político.
Problemas da mesma natureza, embora aparentemente um pouco menos graves, enfrentam Espanha, Portugal e Itália. Os dois primeiros, com a Grécia, tiveram suas dívidas rebaixadas na semana passada.
A situação do Brasil está muito distante da vivida por esses países europeus. Para este ano, o deficit esperado é de 2,4% do PIB. Nos últimos 12 meses, excluídos gastos com pagamentos de juros da dívida pública, há um superavit primário de 1,94% do PIB.
Apesar disso, acendeu-se uma luz amarela porque as contas públicas brasileiras fecharam março com um péssimo desempenho.
Mesmo com o forte crescimento da receita, o superavit primário do primeiro trimestre, de R$ 16,8 bilhões, foi R$ 2 bilhões inferior ao do mesmo período do ano passado.
É recomendável, portanto, atenção especial para a evolução dos gastos correntes do setor público, nos três níveis de governo, principalmente levando-se em conta que estamos em ano eleitoral. Para manter e ampliar os investimentos, é preciso cortar despesas correntes e evitar maior deterioração das contas. Até porque essa tendência seria um álibi perfeito para justificar novas altas dos juros.


BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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