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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

Os sofismas do Copom

Há dois sofismas recorrentes nesse falso macroeconomismo que passou a dominar o país nas últimas décadas. Um deles é o uso do manjadíssimo "em todo lugar que deu certo é assim". O Brasil deve manter o livre fluxo de capitais e não interferir no mercado de câmbio por conta dessa universalização de políticas. Não adianta estudiosos periodicamente esclarecerem que BCs do mundo todo atuam sobre a volatilidade cambial e que países que deram certo não têm vulnerabilidade externa como a do Brasil, portanto não são realidades comparáveis. Sai o artigo desmentindo o bordão, passa um tempo e volta-se com a mesma cantilena.
A segunda arma de retórica é tomar o todo pela parte ou não relativizar as informações utilizadas no raciocínio. A última ata do Copom é um primor de sofisma. Manteve-se a taxa de juros inalterada porque houve dissídios em que os reajustes se basearam na inflação passada, ou seja, voltou-se com a indexação. Assim, só isso! Basta afirmar que houve dissídios indexados para encontrar a justificativa para a manutenção dos juros.
A edição de segunda-feira da Folha dimensionou de maneira competente o tamanho da encrenca. O percentual de reajustes indexados foi baixo e a massa de salários está caindo. Devidamente dimensionado, o álibi não existe.
Compare-se essa análise com as informações de que se vale um Greenspan para tomar suas decisões, consultando indicadores de atividades de todos os setores da economia.
O BC perdeu o "timing" da redução dos juros. Em um certo momento, insistiu nos juros altos, recebeu críticas, mas ainda se estava em uma zona de palpites -entre os que apostavam que a atividade econômica estava derretendo e os que precisam ver o defunto na mesa da UTI para acreditar. Essa era a legitimação técnica para o BC resistir às pressões políticas.
Agora, a cada dia que passa, o BC vai perdendo legitimidade técnica. E, quanto mais perde legitimidade técnica, mais fortalecidas ficam as críticas políticas. No dia em que baixar os juros, a leitura do mercado será a de que o banco foi derrotado. E quanto mais demorar para baixar piores serão as consequências sobre o segundo semestre.
Essa política monetária imprudente está provocando uma transferência brutal de renda para o setor financeiro. Há bancos escondendo lucros, com receio de comprometer sua própria imagem, em um país afundado em crise.
O PT que emergiu das eleições é um partido pragmático. Por tal entenda-se: um partido que deixa de lado velhas convicções e preconceitos, em busca de resultados: governabilidade e fortalecimento político. Essa política monetária incompetente está corroendo a base de apoio do PT. No segundo semestre, à medida que a atividade econômica continuar afundando, que o saldo comercial cair (se o dólar foi mantido desvalorizado) e que a dívida pública explodir ainda mais e que finalmente cair a ficha da opinião pública de que não havia legitimação técnica nessa política do BC, o que irá acontecer com o governo Lula em relação aos bancos e à própria política monetária?

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