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"Milagre" da Argentina pode continuar
Economistas prevêem que, em 2007, o país terá crescido quase o mesmo que o Brasil desde 1998, apesar da recessão
Pequena necessidade de
financiamento externo e
peso desvalorizado são as
apostas para continuidade
do ciclo de crescimento
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente argentino, Néstor Kirchner, comemorou há
dez dias os três anos de governo
com 80% de aprovação. Sua ministra da Economia, Felisa Miceli, anunciou que o país continuará a crescer "não menos que
5% ao ano" nos próximos anos.
Em 2006, 8%.
Depois de ter crescido três
anos consecutivos a 9% ao ano,
pode parecer exagerada a previsão da ministra. Só que mais
de dez economistas influentes
do país ouvidos pela reportagem da Folha acreditam que o
crescimento ainda tem fôlego
por mais alguns anos.
Se crescer os previstos 8%
neste ano e repetir a performance em 2007, o país já terá
crescido o mesmo que o Brasil
desde 1998, mesmo contando a
recessão que reduziu em 20% a
economia do país entre 1998 e
2002. Até o final deste ano, a
economia brasileira terá crescido 22,1% em relação a 1998. A
Argentina, 18,6%. Uma amostra da incrível recuperação argentina -ou como o crescimento brasileiro foi modesto
no mesmo período.
Receitas expansivas
Para os especialistas, a Argentina inovou ao seguir receitas mais expansivas que as pregadas pelo FMI, ganhou competitividade em uma ótima
conjuntura internacional e
soube renegociar sua dívida externa, entre outros acertos.
Mas a dupla responsável pelas ousadias, o ex-ministro da
Economia Roberto Lavagna e o
ex-presidente do Banco Central Alfonso Prat-Gay, não está
mais no cargo -ambos saíram
em atritos com o presidente.
Críticos do estilo Kirchner de
governar, os economistas também apontam falhas do sistema, como a crescente inflação,
uma provável crise energética e
a falta de clima para atrair mais
investimentos estrangeiros.
"Kirchner faz muita coisa errada, mas com a economia crescendo desse jeito, fica difícil
criticar", diz o economista Carlos Melconian, um dos maiores
consultores do país. "Ele é o
Dunga da seleção brasileira de
1994. Não joga bonito, mas venceu a Copa".
Milagres e tombos
A Argentina já passou por
milagres parecidos, depois de
tombos igualmente traumáticos. Viveu anos de ouro com
Perón, depois do colapso de
suas exportações durante a 2ª
Guerra; cresceu a 7% ao ano durante seis anos do governo de
Carlos Menem, depois de uma
hiperinflação de quase 6.000%
no último ano do presidente
Raúl Alfonsín.
"Ainda assim, esta é a recuperação mais extraordinária da
história do país", diz o economista Miguel Kiguel, da consultora Econviews. Abaixo, os
principais pontos que explicam
o "milagre".
Conjuntura interna
Cerca de 45% das exportações argentinas são formadas
pelo petróleo e a soja e seus derivados. Com a alta dos preços
internacionais das principais
commodities argentinas e a
competitividade graças a desvalorização do peso, houve um
enorme boom em todos os setores exportadores.
O governo criou em 2003 um
imposto às exportações, que
varia de 5 a 20%, de acordo com
o produto. O novo imposto já é
responsável por quase 10% da
arrecadação do país.
Peso subvalorizado
Para continuar tão competitivo, frear as importações e
continuar a cobrar o imposto às
exportações, o governo mantém um peso desvalorizado, estacionado a 3,10 pesos por dólar. "Até 2001, nossos supermercados estavam cheios de
produtos importados. Agora,
aparecem novos produtos argentinos semanalmente", diz o
economista Carlos Hourbeight,
gerente do Copérnico Hedge
Fund. O peso que a indústria
representa no PIB (Produto Interno Bruto) argentino, que era
de 17% em 2001, pulou para
25% atualmente.
"Como o país recebe muitos
dólares, o peso deveria se valorizar. O Banco Central os compra, usando o cofre cheio e emitindo títulos da dívida. A aposta
funciona", afirma Hourbeigt.
Recuperação interna
Depois de quatro anos de recessão (1998-2002), de consumo reprimido, os argentinos
saíram às compras. Trocaram o
carro (as vendas de automóveis
dobraram em três anos), reformaram a casa, compraram bens
que não viam há anos. "Como a
taxa de juros a 30 dias é de 6,5%
anualizada, ninguém quer economizar. A política é pró-investimento, pró-gasto. Por isso, a
inflação não fica quieta", diz o
economista Carlos Melconian.
Com o boom industrial e de
todas as áreas exportadoras,
houve a criação de 2,5 milhões
de novos empregos nos últimos
três anos. Mais gente para a nova onda de consumo.
Renegociação
O estilo agressivo de Kirchner funcionou durante a renegociação da dívida externa. 75%
da dívida foi renegociada -cada dólar por um título de 0,35
centavos da moeda, e os prazos
foram esticados. Desde o calote
na dívida, no final de 2001, o
país virou um pária internacional. Ainda assim, o "default" reduziu o peso dos juros que o governo paga anualmente, de
3,8% do PIB em 2001, para 1,7%
em 2006. No Brasil, o número
chega a 8%.
Arrecadação
Em 2001, a Argentina arrecadava 45,4 bilhões de pesos e
gastava 49 bilhões. No ano passado, a arrecadação atingiu o
recorde de 119,2 bilhões, e gastou 107 bi. O governo pôde gastar muito em novas obras e em
programas sociais, sem comprometer o superávit fiscal.
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