São Paulo, segunda-feira, 04 de junho de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Complexo de lanterninha


Os países que praticam ajuste fiscal forte, juro moderado e câmbio competitivo põem-se na dianteira do crescimento

A ORTODOXIA convencional, que há 12 anos informa que a retomada do desenvolvimento econômico está na virada da esquina, anuncia agora que esse momento chegou. A perspectiva de um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), neste ano, superior a 4% é a causa da celebração.
Entretanto, como os três principais problemas da economia brasileira (a alta taxa de juros, a taxa de câmbio sobrevalorizada e o ajuste fiscal frouxo) não foram resolvidos, não há razão para essa euforia. A taxa de crescimento sem dúvida aumentou, mas isso se deve à incrível prosperidade mundial dos últimos cinco anos.
Graças ao crescimento explosivo da China, ao qual se somou o da Índia, e à expansão ainda positiva da economia dos Estados Unidos, o restante do mundo vem crescendo a taxas extraordinárias. Nessa corrida, o Brasil está entre os últimos colocados, mas o complexo de dependência ou de lanterninha que caracteriza muitos brasileiros os faz regozijarem-se. Podemos pensar a dependência que os cidadãos de países menos desenvolvidos sentem em relação aos países mais ricos como algo inevitável ou como algo que uma nação mais fraca, mas sobranceira, pode enfrentar e vencer.
Entretanto, se essa dependência for vista como boa, como manifestação do fato de que os países do Norte sabem melhor o que é bom para o Brasil, o problema da evitabilidade nem sequer se coloca: o que cabe aos brasileiros é aceitar e adotar as recomendações que nos fazem e alegrar-se com os seus elogios pela colaboração. Se, entretanto, nós considerarmos que esses países são nossos concorrentes no plano das relações econômicas internacionais, fica difícil aceitar sua pretendida benevolência.
E recoloca-se o problema da possibilidade ou não da autonomia nacional. Uma autonomia que no tempo da globalização se tornou mais estratégica do que nunca porque a fonte da maior interdependência entre os povos não é o aumento da cooperação entre eles, mas da forte competição comercial e tecnológica.
Os conselhos que recebemos de nossos concorrentes interessam a eles, não a nós. A taxa de câmbio apreciada que deles resulta aumenta suas exportações para o Brasil, e suas empresas aqui instaladas remetem mais dólares ou mais euros com o mesmo lucro em real.
Por outro lado, a manutenção da política monetária interessa aos rentistas locais. O Brasil pode, entretanto, voltar a se tornar autônomo. Os setores industriais estão sendo cada vez mais prejudicados, e os argumentos que seus empresários usam para criticar a atual política são cada vez melhores.
Diante desse conflito de interesses, o governo hesita. De um lado, participa da celebração da retomada do desenvolvimento econômico porque quer atribuir a si próprio a responsabilidade por ele; de outro, sabe que os problemas não foram resolvidos, que a taxa de câmbio apreciada e a taxa de juros representam um enorme ônus para a economia nacional. Para onde penderá?
O jogo não está decidido. Está cada vez mais claro que os países que se libertam da dependência e praticam uma política macroeconômica baseada em ajuste fiscal forte, taxas de juros moderadas e câmbio competitivo colocam-se na dianteira do crescimento, enquanto nos mantemos entre os últimos colocados. É uma dependência insustentável a médio prazo.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".

Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br

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