São Paulo, quinta, 4 de junho de 1998

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Dança de bilhões e "cortina de fumaça"

ALOYSIO BIONDI

Por que até hoje o dólar não chegou às nuvens, as Bolsas brasileiras não desabaram e o real não foi desvalorizado, desembocando-se em uma crise financeira de grandes proporções como na Ásia?
Resposta: porque o governo brasileiro, desde o ano passado, realiza uma intervenção gigantesca e indecente no mercado financeiro, utilizando de forma ilegal e autoritária os fundos de pensão, o Banco do Brasil, o BNDES e os "banqueiros amigos". Bilhões e bilhões de dólares e reais têm sido despejados no mercado com a mão desses "gatos", em manobras caríssimas para a sociedade -e que terão um custo ainda maior quando os problemas assumirem proporções incontroláveis, desfecho que não parece tão distante assim.
As manobras da equipe FHC vêm apenas adiando o desastre, que somente poderia ser evitado em definitivo com uma reviravolta na política econômica, capaz de resolver o problema do "rombo" do Brasil com o resto do mundo.
A fragilidade da situação brasileira pouco tem a ver, ou é apenas agravada, com o "efeito Rússia" ou o "efeito Lula".
O fato é que, neste ano, o Brasil precisava atrair algo como US$ 100 bilhões no exterior, junto a banqueiros e aplicadores internacionais, apenas para pagar (rolar) uns US$ 60 bilhões em empréstimos antigos, e mais uns US$ 35 bilhões para cobrir o rombo das contas do ano (a saber, o saldo negativo da balança comercial, mais juros, remessas etc.).
US$ 100 bilhões. São esses números que explicam a "fuga de dólares", a montanha-russa nas Bolsas, a alta dos juros e do dólar intensificada nas últimas semanas -e que o governo FHC, mais uma vez, tenta conter com manobras ilegais envolvendo bilhões de reais e de dólares.
Silêncio cúmplice
As intervenções governamentais são feitas com a "mão dos gatos", isto é, o Banco Central não entra no mercado à vista de todo mundo: combina, ordena, ou paga para o BB, BNDES, fundões de pensão, "banqueiros amigos" agirem. Essas manobras existiram no passado. Mas, nunca, nem de longe, nas proporções atingidas pelo governo FHC. Na crise do final do ano passado, somente para segurar o preço do dólar nos chamados mercados futuros, a manipulação chegou aos US$ 20 bilhões, segundo o próprio Banco Central. Os meios de comunicação sempre souberam dessas manobras, mesmo porque elas são largamente comentadas no dia-a-dia do mercado -mas elas eram registradas em duas ou três linhas, perdidas lá no meio do noticiário financeiro do dia-, embora fossem, na verdade, o fato realmente importante naquele momento, capaz de dar, à sociedade, informação sobre o real estado da economia brasileira...
Essa autêntica "conspiração do silêncio" impediu a avaliação da crise -e a busca de novos rumos. Ela mostra que o dilema da sociedade brasileira não é dispor de raciocínio bipolar, tripolar ou multipolar, mas de informação honesta. De formadores de opinião éticos.
Ilegalidade total
A cortina de fumaça rompeu-se nos últimos dias, quando a manipulação governamental nas Bolsas, mercados de juros e de dólar finalmente ganhou manchetes em alguns jornais. A guinada demorou em demasia. Ao longo dos meses, os problemas do país se multiplicaram, e os prejuízos à sociedade também, de forma irreversível. Um custo social imenso, para o qual os meios de comunicação contribuíram poderosamente, com sua incrível tolerância à autoritária manipulação de mercados da equipe FHC, que, ironicamente, se proclama neoliberal. Além da sociedade como um todo, as ilegalidades praticadas ameaçam atingir em cheio milhões de brasileiros:
Fundos de pensão - Somente poderão pagar aposentadorias e outros benefícios a seus filiados se aplicarem corretamente o dinheiro arrecadado. No entanto, a mando do governo, estão usando dinheiro dos filiados para "segurar" as Bolsas e evitar prejuízos ou garantir lucros a grandes aplicadores e banqueiros amigos?
Banco do Brasil - Não pertence apenas ao governo, mas a milhares de acionistas. No entanto tem sido usado para "segurar" os preços do dólar (e a desvalorizar o real) nos mercados futuros. No caso de grandes prejuízos, em uma crise incontrolável, perdem os acionistas.
O que o Congresso Nacional acha disso? Nada?


Aloysio Biondi, 61, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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