São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A estabilidade depende do crescimento

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Na última quinta-feira, prometi que discutiria hoje soluções para o problema da dívida pública brasileira. Foi uma temeridade. Como disse Nelson Rodrigues (psicografado por Arnaldo Jabor), "há países que não têm ouro, outros não têm petróleo; o Brasil não tem solução". Algo me diz: desista! Mas, não sei se por hábito ou vício, a busca continua.
No artigo da semana passada, descartei algumas alternativas, como a monetização de parte da dívida, a apreciação cambial e a tentativa de aumentar dramaticamente o superávit primário do governo. Essa última, que chamei de "solução Cavallo de desespero", é a alternativa preferida por alguns representantes da ortodoxia econômica prática (um ramo destacado da idiotice que governa o mundo).
Já houve até quem falasse em aumentar o superávit primário para a faixa de 7% do PIB, como forma de supostamente sinalizar disposição e capacidade de honrar a dívida governamental. Dado que a carga de juros anda por volta de 7% a 8% do PIB, isso equivale praticamente a reeditar a promessa de "déficit zero" feita por Domingo Cavallo no apagar das luzes da sua desastrada gestão da economia argentina.
São mínimas as chances de produzir um choque de confiança com medidas draconianas na área fiscal. A tentativa de implementar políticas desse tipo acabaria jogando a anêmica economia brasileira na recessão.
Não se deve perder de vista que os superávits primários registrados pelo setor público brasileiro desde 1999, em torno de 3% a 3,5% de PIB, correspondem a um esforço bastante considerável (ainda que tardio) de ajustamento fiscal. A economia cresceu pouco neste período, o que sempre dificulta o aumento da receita pública e eleva as despesas com seguro-desemprego e outros gastos públicos de tipo cíclico.
Não é por falta de ajuste fiscal que a dívida pública brasileira tem crescido rapidamente como proporção do PIB nos últimos anos. O crescimento recente da razão dívida/PIB se deve, sobretudo, à conjugação de três fatores: a) a valorização do dólar; b) a alta taxa de juro; e c) a reduzida taxa de expansão da economia.
O essencial, portanto, é criar condições para reduzir as taxas internas de juro, conter a pressão cambial e garantir a retomada do crescimento. A estabilidade financeira passou a depender, mais do que nunca, do dinamismo da economia.
A retomada da economia depende, por sua vez, da superação de um problema fundamental, criado e perpetuado pelos erros, pela negligência e pela letargia do governo Fernando Henrique Cardoso: a vulnerabilidade externa e a dependência em relação a capitais estrangeiros.
Em outras palavras: o superávit que precisa ser aumentado de forma substancial não é o fiscal primário, mas o da balança comercial! O esforço de aumentar o primeiro, via cortes de gastos não-financeiros ou majoração de tributos, tende a ser recessivo. O esforço de aumentar o segundo, via promoção de exportações e substituição de importações de mercadorias, contribui para ampliar o nível de atividade da economia.
O aumento do superávit comercial, complementado por medidas de estímulo à exportação e à substituição de importações de serviços, permitiria diminuir o déficit em conta corrente de maneira mais acentuada, reduzindo a dependência de capitais estrangeiros. A menor dependência de capitais do exterior permitiria alongar e melhorar a composição do passivo externo. A diminuição do grau de abertura financeira da economia e um esforço de acumulação de reservas internacionais ajudariam, também, a reduzir a suscetibilidade do país a choques externos. A política monetária do Banco Central ficaria menos sujeita a surtos de pressão cambial, viabilizando a prática de juros mais civilizados.
Com taxas de juro menores e crescimento econômico significativo, as finanças públicas se tornariam mais administráveis. Não seria preciso gerar superávits primários extraordinários para estabilizar a razão dívida/PIB. Além disso, quanto maior o ritmo de crescimento da economia, menor o esforço fiscal associado à geração de um dado nível de superávit primário.
Digito essas frases e paro. Preciso dizer ao leitor que tudo isso é mais complicado do que talvez possa parecer. O Brasil demorou muito a mudar de rumo. Foram anos e anos de políticas econômicas bisonhas e irresponsáveis (e ainda há quem peça, e até exija, continuidade!). A autonomia do país ficou comprometida. Somos até certo ponto reféns dos humores variáveis dos mercados financeiros internacionais. Tendo em vista o volume e as condições do endividamento acumulado e o ambiente mundial adverso, a margem de manobra do governo brasileiro não é grande.
Mas, enfim, é difícil acreditar que o Brasil esteja definitivamente resignado à subserviência e à mediocridade. O eleitor brasileiro está sinalizando a sua insatisfação. Todos os candidatos à Presidência, inclusive o do governo, sabem perfeitamente que o país precisa de um novo rumo para a sua economia e de um novo estilo de inserção internacional.
O novo governo será uma oportunidade de recomeçar.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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