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OPINIÃO ECONÔMICA
A estabilidade depende do crescimento
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Na última quinta-feira, prometi que discutiria hoje
soluções para o problema da dívida pública brasileira. Foi uma temeridade. Como disse Nelson Rodrigues (psicografado por Arnaldo Jabor), "há países que não têm
ouro, outros não têm petróleo; o
Brasil não tem solução". Algo me
diz: desista! Mas, não sei se por
hábito ou vício, a busca continua.
No artigo da semana passada,
descartei algumas alternativas,
como a monetização de parte da
dívida, a apreciação cambial e a
tentativa de aumentar dramaticamente o superávit primário do
governo. Essa última, que chamei
de "solução Cavallo de desespero", é a alternativa preferida por
alguns representantes da ortodoxia econômica prática (um ramo
destacado da idiotice que governa o mundo).
Já houve até quem falasse em
aumentar o superávit primário
para a faixa de 7% do PIB, como
forma de supostamente sinalizar
disposição e capacidade de honrar a dívida governamental. Dado que a carga de juros anda por
volta de 7% a 8% do PIB, isso
equivale praticamente a reeditar
a promessa de "déficit zero" feita
por Domingo Cavallo no apagar
das luzes da sua desastrada gestão da economia argentina.
São mínimas as chances de produzir um choque de confiança
com medidas draconianas na
área fiscal. A tentativa de implementar políticas desse tipo acabaria jogando a anêmica economia
brasileira na recessão.
Não se deve perder de vista que
os superávits primários registrados pelo setor público brasileiro
desde 1999, em torno de 3% a
3,5% de PIB, correspondem a um
esforço bastante considerável
(ainda que tardio) de ajustamento fiscal. A economia cresceu pouco neste período, o que sempre dificulta o aumento da receita pública e eleva as despesas com seguro-desemprego e outros gastos
públicos de tipo cíclico.
Não é por falta de ajuste fiscal
que a dívida pública brasileira
tem crescido rapidamente como
proporção do PIB nos últimos
anos. O crescimento recente da
razão dívida/PIB se deve, sobretudo, à conjugação de três fatores:
a) a valorização do dólar; b) a alta taxa de juro; e c) a reduzida taxa de expansão da economia.
O essencial, portanto, é criar
condições para reduzir as taxas
internas de juro, conter a pressão
cambial e garantir a retomada do
crescimento. A estabilidade financeira passou a depender, mais
do que nunca, do dinamismo da
economia.
A retomada da economia depende, por sua vez, da superação
de um problema fundamental,
criado e perpetuado pelos erros,
pela negligência e pela letargia do
governo Fernando Henrique Cardoso: a vulnerabilidade externa e
a dependência em relação a capitais estrangeiros.
Em outras palavras: o superávit
que precisa ser aumentado de forma substancial não é o fiscal primário, mas o da balança comercial! O esforço de aumentar o primeiro, via cortes de gastos não-financeiros ou majoração de tributos, tende a ser recessivo. O esforço
de aumentar o segundo, via promoção de exportações e substituição de importações de mercadorias, contribui para ampliar o nível de atividade da economia.
O aumento do superávit comercial, complementado por medidas
de estímulo à exportação e à substituição de importações de serviços, permitiria diminuir o déficit
em conta corrente de maneira
mais acentuada, reduzindo a dependência de capitais estrangeiros. A menor dependência de capitais do exterior permitiria alongar e melhorar a composição do passivo externo. A diminuição do
grau de abertura financeira da
economia e um esforço de acumulação de reservas internacionais
ajudariam, também, a reduzir a
suscetibilidade do país a choques
externos. A política monetária do
Banco Central ficaria menos sujeita a surtos de pressão cambial,
viabilizando a prática de juros
mais civilizados.
Com taxas de juro menores e
crescimento econômico significativo, as finanças públicas se tornariam mais administráveis. Não
seria preciso gerar superávits primários extraordinários para estabilizar a razão dívida/PIB. Além
disso, quanto maior o ritmo de
crescimento da economia, menor
o esforço fiscal associado à geração de um dado nível de superávit
primário.
Digito essas frases e paro. Preciso dizer ao leitor que tudo isso é
mais complicado do que talvez
possa parecer. O Brasil demorou
muito a mudar de rumo. Foram
anos e anos de políticas econômicas bisonhas e irresponsáveis (e
ainda há quem peça, e até exija,
continuidade!). A autonomia do
país ficou comprometida. Somos
até certo ponto reféns dos humores variáveis dos mercados financeiros internacionais. Tendo em
vista o volume e as condições do
endividamento acumulado e o
ambiente mundial adverso, a
margem de manobra do governo
brasileiro não é grande.
Mas, enfim, é difícil acreditar
que o Brasil esteja definitivamente resignado à subserviência e à
mediocridade. O eleitor brasileiro
está sinalizando a sua insatisfação. Todos os candidatos à Presidência, inclusive o do governo, sabem perfeitamente que o país precisa de um novo rumo para a sua
economia e de um novo estilo de
inserção internacional.
O novo governo será uma oportunidade de recomeçar.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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