|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Duhalde fez o inevitável, mas ainda assim não resolve a situação do país
DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
É tão dramática a situação
argentina que nem ao fazer o
que o público e o bom senso pediam (antecipar as eleições do
próximo ano), o presidente
Eduardo Duhalde conseguiu
aplausos unânimes.
"No meio de um terremoto, o
que se discute é como sustentar a
casa, não o que se fará em março",
reagiu, por exemplo, a deputada
Elisa "Lilita" Carrió (da Ari, Ação
para uma Argentina de Iguais),
primeira colocada em todas as
pesquisas para a sucessão presidencial (mas com apenas 17% das
intenções de voto, pouco mais ou
menos).
A deputada põe o foco em um
dos problemas da decisão presidencial de trazer para março de
2003 a eleição que seria apenas em
setembro do mesmo ano: a crise é
tão feia que o governo pode não
resistir nem mesmo aos 11 meses
que ainda lhe restam até entregar
o poder, em maio do ano que
vem.
Afinal, Duhalde antecipou em
sete meses a transferência da faixa
presidencial, prevista originalmente para dezembro.
"É o mesmo prazo em que a Argentina teve cinco presidentes,
quatro ministros da Economia e
outros tantos presidentes do Banco Central", lembra, para o jornal
"La Nación", Rosendo Fraga, um
dos mais reputados analistas políticos do país.
É uma maneira de dizer que tudo pode acontecer até março, como tudo podia acontecer, antes,
até setembro.
Eternidade
"Para uma sociedade sufocada,
que cada dia vê cair mais gente na
pobreza, 11 meses é uma eternidade", reforça o filósofo Enrique Valiente Noailles, referindo-se ao
prazo entre o anúncio da antecipação do pleito e a posse do novo
presidente.
O ainda longo prazo até a mudança de governo não é, de todo
modo, o único senão que a atitude
de Duhalde mereceu. O próprio
Noailles aponta outra: "Com uma
classe política desmoralizada,
eleições só presidenciais são insuficientes".
De fato, o clamor da rua, que
derrubou dois presidentes em
curto intervalo de tempo no ano
passado e no início deste ano, é
claro: "Que se vayan todos". O
público quer eleger toda uma nova classe dirigente.
Aí, entra-se em um beco sem
saída. O eleitor argentino está descontente com todos os políticos,
do Executivo e do Legislativo, para não mencionar o desgaste também do Poder Judiciário, mas não
estão à vista nomes novos que
despertem entusiasmo.
É ilustrativo desse deserto o fato
de que um trotskista (Luis Zamora) esteja bem colocado nas pesquisas, com algo em torno de 10%
das intenções de voto, quando o
trotskismo é extremamente minoritário em qualquer lugar do
mundo.
A melhor qualidade que os eleitores apontam em Zamora não é,
em todo o caso, o fato de ser trotskista, mas o de ser honesto.
É também essa característica
que alavanca as pretensões de "Lilita" Carrió e do governador de
Santa Fé, o ex-piloto de Fórmula 1
Carlos Reutemann.
Trata-se de um dos raros líderes
peronistas (o partido de Duhalde)
sobre o qual não há acusações de
corrupção.
É óbvio que ser limpo é uma
qualidade necessária para governar um país, mas está longe de ser
suficiente para uma Argentina
que vive a maior crise de sua história, que viu 329.500 pessoas perderem o emprego só no primeiro
semestre do ano e que vê, a cada
mês, desde outubro, 700 mil pessoas se tornarem novos pobres,
de acordo com os dados do estudo realizado pela CTA (Central de
Trabalhadores da Argentina).
Nível haitiano
Claudio Lozano, o economista
autor do estudo, diz que, mantido
o quadro atual, no fim do ano
65,1% da população (ou 23 milhões de pessoas) estarão abaixo
da linha de pobreza -um nível
boliviano ou haitiano em um país
que há 60 anos era um dos sete
mais ricos do mundo.
Fica claro que março, a nova data da eleição, é longe demais para
a bomba de tempo armada para
Duhalde pela inédita combinação
de câmbio fixo, confisco dos depósitos bancários e recessão que
já vai para o quarto ano.
Sem tempo, legitimidade ou
competência para desarmar a
bomba, não restava ao presidente
muito mais do que o gesto de antecipar a saída, gesto que o matutino "Página 12" tratou, na manchete de capa, com o humor habitual: "Não empurrem que já nos
vamos". (CLÓVIS ROSSI)
Texto Anterior: Anúncio da eleição antecipada pega até ministro de surpresa Próximo Texto: Buenos Aires fica barata com peso fraco Índice
|