São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

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AMÉRICA LATINA

Em crise, países-membros se reúnem hoje e amanhã; para o próximo presidente, bloco pode não ser prioridade

Mercosul faz talvez a penúltima cúpula

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Com seus quatro países mergulhados em crise, embora de intensidades diferentes, o Mercosul faz hoje e amanhã sua reunião de cúpula semestral, que bem pode ser a penúltima do bloco.
Em dezembro, o Brasil, como presidente de turno, organizará a cúpula habitual de fim de ano, mas, em janeiro, troca de presidente, e os dois candidatos que estão à frente nas pesquisas do Datafolha não escondem dúvidas ou críticas ao Mercosul.
O PT continua dando prioridade formal ao bloco, mas seu principal porta-voz para questões internacionais, o deputado federal Aloizio Mercadante (SP) disse à Folha que o partido quer definir o seguinte: "Uruguai, Paraguai e Argentina vão conosco até o fim? Se sim, vamos juntos. Se não, o Brasil tem que procurar outro caminho e passar a negociar sobre seus interesses concretos".
José Serra (PSDB) vai muito mais longe. Em entrevista à revista "Época" publicada no final de semana, ele defende a regressão do Mercosul a zona de livre comércio, em vez da união aduaneira que é hoje, embora imperfeita.
A diferença: na zona de livre comércio, os países-membros limitam-se a reduzir, até zerar, as tarifas de importação entre eles. Na união aduaneira, o esquema permanece mas vai além: estabelece uma TEC (Tarifa Externa Comum), para importações provenientes dos países não-membros.
Com isso, as negociações com outros países ou blocos precisam ser em conjunto. Serra quer rever esse quadro, para que "o Brasil possa negociar com o resto do mundo tratados de livre comércio autônomos. Hoje, para fazer isso, é preciso levar o Mercosul junto".
Não é apenas o Brasil que muda de presidente imediatamente depois da próxima cúpula do bloco. A sucessão na Argentina também será antecipada, de dezembro para maio de 2003.
É natural, nesse cenário, que a cúpula de hoje e amanhã em Buenos Aires fique comprometida em termos de decisões de maior impacto.
Haverá apenas anúncios relativos a acordos na área automotiva (ver texto abaixo), que dependem de pequenos detalhes, a serem acertados hoje, e o que a diplomacia chama de "limpeza de mesa".
Ou seja, será anunciada o fim de providências protecionistas que a Argentina adotou no ano passado em relação a frangos, suínos e têxteis provenientes do Brasil.
Mesmo assim, as chancelarias brasileira e argentina insistem em defender não apenas o bloco, mas também a importância da cúpula de Buenos Aires.
Diz, por exemplo, José Botafogo Gonçalves, embaixador do Brasil na Argentina e ex-representante especial do presidente para o Mercosul: "Se se entender que o eixo principal do Mercosul é um clube de negócios, realmente vive-se um momento muito ruim. Mas, como o Mercosul é um projeto político de aliança estratégica, uma reunião nessas circunstâncias é extremamente importante, ainda que obviamente atingida pela conjuntura".
Ecoa Jorge Hugo Herrera Vegas, ex-embaixador argentino no Brasil e agora responsável pelo Mercosul na chancelaria de seu país: "Não se pode dizer que é o pior momento possível, porque o Mercosul é um projeto estratégico que revela sua máxima utilidade justamente em momentos de dificuldades."
Reforça José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil na União Européia e um dos diplomatas de maior experiência em negociações comerciais:
"As dificuldades, antes de se apresentarem como um elemento motivador para a inação, devem constituir um incentivo para adiantar as tarefas básicas de recuperação do crescimento, a saber, a eliminação de todas as restrições ao comércio dentro do bloco e a revisão da TEC, de modo a eliminar perfurações."
Perfuração é o jargão para designar setores em que o Mercosul não adota a TEC. Elas cresceram muito durante o período em que Domingo Cavallo, no comando da Economia argentina, tentou resolver a crise interna atacando o Brasil e o Mercosul.
O entusiasmo das duas diplomacias não combina, como é óbvio, com a conjuntura complicada, em que o comércio entre os países do Mercosul caiu para os níveis do início dos anos 90, sem falar da recessão nos três sócios brasileiros do bloco e nas quatro semanas de turbulência cambial e financeira no próprio Brasil.
Em todo o caso, o Brasil assume neste mês a presidência do Mercosul com um programa para tentar revitalizar o bloco. "Não é nada de mirabolante. Trata-se apenas de entregar a presidência, no ano que vem, em condições melhores do que as de hoje", resume o embaixador Clodoaldo Hugueney, principal negociador comercial do país.
O problema é que, ao se inaugurar 2003, não muda apenas a presidência do bloco (rotativa, a cada seis meses). Muda o ocupante do Palácio do Planalto, e o Mercosul talvez já não seja tão prioritário.



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