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AMÉRICA LATINA
Em crise, países-membros se reúnem hoje e amanhã; para o próximo presidente, bloco pode não ser prioridade
Mercosul faz talvez a penúltima cúpula
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
Com seus quatro países mergulhados em crise, embora de intensidades diferentes, o Mercosul faz hoje e amanhã sua reunião de cúpula semestral, que bem pode ser
a penúltima do bloco.
Em dezembro, o Brasil, como
presidente de turno, organizará a
cúpula habitual de fim de ano,
mas, em janeiro, troca de presidente, e os dois candidatos que estão à frente nas pesquisas do Datafolha não escondem dúvidas ou
críticas ao Mercosul.
O PT continua dando prioridade formal ao bloco, mas seu principal porta-voz para questões internacionais, o deputado federal
Aloizio Mercadante (SP) disse à
Folha que o partido quer definir o
seguinte: "Uruguai, Paraguai e
Argentina vão conosco até o fim?
Se sim, vamos juntos. Se não, o
Brasil tem que procurar outro caminho e passar a negociar sobre
seus interesses concretos".
José Serra (PSDB) vai muito
mais longe. Em entrevista à revista "Época" publicada no final de
semana, ele defende a regressão
do Mercosul a zona de livre comércio, em vez da união aduaneira que é hoje, embora imperfeita.
A diferença: na zona de livre comércio, os países-membros limitam-se a reduzir, até zerar, as tarifas de importação entre eles. Na
união aduaneira, o esquema permanece mas vai além: estabelece
uma TEC (Tarifa Externa Comum), para importações provenientes dos países não-membros.
Com isso, as negociações com
outros países ou blocos precisam
ser em conjunto. Serra quer rever
esse quadro, para que "o Brasil
possa negociar com o resto do
mundo tratados de livre comércio
autônomos. Hoje, para fazer isso,
é preciso levar o Mercosul junto".
Não é apenas o Brasil que muda
de presidente imediatamente depois da próxima cúpula do bloco.
A sucessão na Argentina também
será antecipada, de dezembro para maio de 2003.
É natural, nesse cenário, que a
cúpula de hoje e amanhã em Buenos Aires fique comprometida
em termos de decisões de maior
impacto.
Haverá apenas anúncios relativos a acordos na área automotiva
(ver texto abaixo), que dependem
de pequenos detalhes, a serem
acertados hoje, e o que a diplomacia chama de "limpeza de mesa".
Ou seja, será anunciada o fim de
providências protecionistas que a
Argentina adotou no ano passado
em relação a frangos, suínos e têxteis provenientes do Brasil.
Mesmo assim, as chancelarias
brasileira e argentina insistem em
defender não apenas o bloco, mas
também a importância da cúpula
de Buenos Aires.
Diz, por exemplo, José Botafogo
Gonçalves, embaixador do Brasil
na Argentina e ex-representante
especial do presidente para o
Mercosul: "Se se entender que o
eixo principal do Mercosul é um
clube de negócios, realmente vive-se um momento muito ruim.
Mas, como o Mercosul é um projeto político de aliança estratégica,
uma reunião nessas circunstâncias é extremamente importante,
ainda que obviamente atingida
pela conjuntura".
Ecoa Jorge Hugo Herrera Vegas, ex-embaixador argentino no
Brasil e agora responsável pelo
Mercosul na chancelaria de seu
país: "Não se pode dizer que é o
pior momento possível, porque o
Mercosul é um projeto estratégico
que revela sua máxima utilidade
justamente em momentos de dificuldades."
Reforça José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil na
União Européia e um dos diplomatas de maior experiência em
negociações comerciais:
"As dificuldades, antes de se
apresentarem como um elemento
motivador para a inação, devem
constituir um incentivo para
adiantar as tarefas básicas de recuperação do crescimento, a saber, a eliminação de todas as restrições ao comércio dentro do
bloco e a revisão da TEC, de modo
a eliminar perfurações."
Perfuração é o jargão para designar setores em que o Mercosul
não adota a TEC. Elas cresceram
muito durante o período em que
Domingo Cavallo, no comando
da Economia argentina, tentou
resolver a crise interna atacando o
Brasil e o Mercosul.
O entusiasmo das duas diplomacias não combina, como é óbvio, com a conjuntura complicada, em que o comércio entre os
países do Mercosul caiu para os
níveis do início dos anos 90, sem
falar da recessão nos três sócios
brasileiros do bloco e nas quatro
semanas de turbulência cambial e
financeira no próprio Brasil.
Em todo o caso, o Brasil assume
neste mês a presidência do Mercosul com um programa para tentar revitalizar o bloco. "Não é nada de mirabolante. Trata-se apenas de entregar a presidência, no
ano que vem, em condições melhores do que as de hoje", resume
o embaixador Clodoaldo Hugueney, principal negociador comercial do país.
O problema é que, ao se inaugurar 2003, não muda apenas a presidência do bloco (rotativa, a cada seis meses). Muda o ocupante do Palácio do Planalto, e o Mercosul talvez já não seja tão prioritário.
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