São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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EM TRANSE

Em estudo de 2001, banco alertava que fim de incentivo fiscal levaria empresas a fazerem mais dívidas de curto prazo

BNDES avisou governo sobre crise do dólar

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O próprio governo -na verdade o BNDES- alertou o governo de que havia grande risco de as empresas brasileiras passarem por dificuldades devido a uma seca de dólares -e nada foi feito.
Em estudo elaborado no segundo semestre do ano passado, assinado por técnicos do BNDES, banco de fomento do governo federal, é recomendada -com certa urgência- a "utilização de instrumentos fiscais como forma de alongar o prazo de endividamento médio privado" e evitar "riscos consideráveis ao setor, caso o mercado externo sofra forte e inesperada deterioração".
No terreno fiscal, nada mudou. Esse alongamento nos prazos daria um espaço para as empresas "respirarem". E num eventual cenário de crise, reforça o banco, afastaria a possibilidade "de redução nos investimentos do setor privado no Brasil", informa o alerta, de junho de 2001.

Cronograma infeliz
Desde o início de 2000, as companhias brasileiras começaram a reduzir o prazo de vencimento de seus débitos no exterior.
Em vez de tomarem empréstimos com prazo de 8 ou 10 anos, passaram a fechar contratos para pagamento na metade desse prazo. Isso ocorreu em parte porque o governo decidiu, no final de 1999, acabar com um incentivo fiscal que estimulava o alongamento dos prazos para emissão de papéis lá fora.
Resultado: com a mudança nos prazos, muitas dívidas em dólares acabaram vencendo agora, num momento em que a moeda sumiu do mercado, as linhas dos bancos para refinanciamento estão fechadas e muitas empresas nem sequer têm caixa disponível para arcar com os débitos.
De agosto a dezembro, vencem cerca de US$ 6,4 bilhões em dívidas externa de empresas e bancos, segundo levantamento da Folha. Só neste mês são US$ 2 bilhões (30% do total).
O estudo informa ainda que "há clara concentração de vencimentos (...) suscitando riscos consideráveis, caso o mercado externo sofra forte e inesperada deterioração, principalmente porque as emissões do setor privado têm se concentrado no intervalo de um a três anos de vencimento".
A "inesperada deterioração" no mercado interno aconteceu. O dólar disparou e ultrapassou a casa dos R$ 3 na última semana. O risco-país subiu 2,8% na semana passada. O Banco Central tem tentado controlar o mercado com rações diárias de dólares.
"Está tudo parado. Ninguém faz nada", diz Márcio Pepino, diretor do Banco Finantia. "As companhias endividadas até estão tentando renegociar agora para alongar seus prazos. Mas é uma briga inglória. Os credores não querem saber de esperar", diz Cláudia Hausner, diretora da área internacional do banco Banif Primus.
Esse incentivo às companhias, a que o BNDES se refere, durou anos. Para emissões no exterior feitas até o final de 99, e com prazo de oito anos, o governo liberou as companhias do pagamento de Imposto de Renda de 15% sobre o cupom de juros. A decisão foi tomada em 94. Com isso, elas fizeram dívidas com prazos longos e se enforcaram menos.
Em janeiro de 2000, a lei 9.950 determinou o fim dessa isenção. Com a cobrança dos 15% sobre os juros do cupom da dívida feita, as empresas passaram a pagar uma taxa que, na prática, ultrapassava os 17%, pelas contas do BNDES.
Com isso, só ouve uma saída: mesmo as empresas que precisavam de capital a longo prazo passaram a fechar financiamentos mais curtos, sujeitos a menores taxas de juros, e, logo, com uma carga fiscal menor.
Há uma lista de grupos que adotaram tal atitude. A Hering captou recursos em julho de 2001, com vencimento de um ano. Assim como a Eletropaulo (captou US$ 120 milhões) e a Gerdau (US$ 140 milhões).
O período é muito curto, mas as empresas pagam menos juros e menos impostos em financiamentos relâmpagos como esses. Segundo analistas, caso tivessem a opção da isenção, elas poderiam ter jogado a data de vencimento para até oito anos.
Segundo a Receita Federal, foi necessário rever a isenção devido a perda que o estímulo às empresas causava aos cofres públicos.


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