São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Substituição de importações ainda é insuficiente no Brasil

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A morte prematura do economista Rudiger Dornbusch praticamente coincidiu com os desvarios especulativos do mercado cambial brasileiro, que chegaram ao extremo na semana passada. Curiosamente, o macroeconomista tornou-se uma referência acadêmica internacional depois que elaborou um modelo de "overshooting".
Essa é mais uma dessas palavras do economês que podem ser traduzidas de muitas formas, mas que caem bem mesmo em inglês. É um ajuste excessivo no preço de um ativo, uma aposta tão intensa e obsessiva dos especuladores num movimento dos preços em determinada direção que, na prática, o próprio movimento se cancela e esses preços voltam ao "normal".
Na semana passada, o dólar passou de R$ 3,60, mas fechou cotado a R$ 3. Houve oscilações da ordem de 10% num só dia. O dólar disparou para cima e depois caiu praticamente com a mesma intensidade.
O modelo do "overshooting" descreve uma anomalia, algo irracional que parece jogar por terra o ideal de mercados livres. A idéia de auto-ajuste, no entanto, continua presente. É como se a irracionalidade fosse capaz de se corrigir e se mostrar, "no final das contas", algo racional.
Um dos resultados dessa visão heterodoxa que no fundo é rigorosamente ortodoxa é a crença na liberalização de preços, especialmente da taxa de câmbio, como remédio para sistemas instáveis. O modelo tem sido aplicado não só aos efeitos das expectativas sobre a taxa de câmbio, mas também aos efeitos da variação cambial sobre o saldo no comércio exterior de um país.
Em sua versão mais simples, o modelo macroeconômico tradicional sugere que a desvalorização cambial, encarecendo as importações no mercado doméstico e barateando as exportações nos mercados externos, ajuda o país a gerar um saldo comercial.
Ora, se a desvalorização cambial produz esse saldo e contribui para trazer mais dólares ao país, o resultado é menos escassez de dólares e, assim, a valorização da moeda local. Novamente um desequilíbrio do preço (a taxa de câmbio, que mostra o preço da moeda nacional frente à internacional, desvalorizada) traz embutida a correção do desequilíbrio (o saldo comercial anula o desajuste inicial).
A crença na flexibilidade desses movimentos pendulares é a essência do pensamento econômico mais convencional. A visão crítica alerta para tudo o que não se resolve e pode até piorar quando os preços oscilam ao sabor desses movimentos aparentemente autocorretivos.
É o caso da economia brasileira, hoje. Desde o fim da âncora cambial, a desvalorização do real em tese serviu para estimular exportações e promover a substituição de importações. Mas, três anos e meio depois do colapso da âncora, o saldo no comércio exterior é insuficiente e seria ainda menor não estivesse o país metido numa onda recessiva (produção e renda caem, derrubando as importações).
Entre os interessados no exame da situação brasileira dessa perspectiva crítica está o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que publicou um estudo mostrando que o câmbio desvalorizado não garante a correção do desajuste que lhe deu origem (na internet: http://iedi.org.br/index20020730.htm).
Para o Iedi, só a promoção de exportações e a substituição de importações podem gerar resultados que a dinâmica do mercado cambial, com ou sem "overshooting", é incapaz de trazer.
É o que países como a Coréia do Sul sempre fizeram. É o que o governo brasileiro mal começou a fazer.


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