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ARTIGO
Moeda única mundial eliminaria instabilidades
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
O mês passado trouxe o 60º
aniversário da conferência
de Bretton Woods, New Hampshire, a qual inaugurou a nova ordem econômica internacional
que se seguiria à Segunda Guerra
Mundial. O dilúvio de artigos
analíticos que essa ocasião ensejou se concentrava nas instituições criadas durante o encontro: o
Fundo Monetário Internacional e
o Banco Mundial. Mas resta uma
questão maior a ser debatida, que
envolve determinar se as taxas de
câmbio flutuantes provaram ser o
substituto ideal para o regime insustentável de paridades cambiais
ajustáveis instaurado pelo acordo
monetário de Bretton Woods. A
resposta é não.
Considerem as seguintes características da economia mundial,
hoje: o país mais rico do mundo é
seu maior importador de capital e
devedor líquido; os dois períodos
que viram empréstimos líquidos
vultosos às economias de mercado emergente nas três últimas décadas terminaram em crises financeiras e abruptas inversões
nas tendências de empréstimos; e,
desde o mais recente conjunto de
crises mundiais, as economias
emergentes acumularam enormes reservas cambiais.
A participação em duas conferências me persuadiu de que um
fator único explica esses fenômenos: a instabilidade cambial. A
primeira das conferências discutia "como conviver com os desequilíbrios". A segunda tinha por
objetivo estudar "planos para
uma moeda mundial". Em conjunto, os dois encontros me encorajaram a questionar minha antiga crença nas vantagens das taxas
flutuantes de câmbio.
Observe um período de globalização econômica precedente -a
era que antecedeu a guerra de
1914. Sob o padrão-ouro de conversibilidade, todos os países empregavam, na prática, a mesma
moeda. Os riscos cambiais, embora existissem, eram limitados.
Hoje, o risco cambial é imenso.
Desde o colapso do sistema de
Bretton Woods, em 1971, as divisas vêm oscilando furiosamente.
O conceito introduzido principalmente por Ricardo Hausmann, hoje professor da Universidade Harvard, para explicar as
conseqüências da instabilidade
cambial para as economias de
mercado emergente é o de "pecado original". A chamativa expressão se refere à "incapacidade de
um país para tomar empréstimos
denominados em sua moeda no
exterior". Dos títulos de dívida
colocados nos mercados internacionais entre 1999 e 2001, 97%
eram denominados em cinco
moedas apenas -o dólar, o euro,
o iene, a libra esterlina e o franco
suíço. Mesmo as economias
emergentes mais bem administradas, como o Chile, se provaram
incapazes de tomar empréstimos
em suas moedas.
Qualquer que seja a explicação
para essa dificuldade, a composição cambial limitada dos empréstimos mundiais tem conseqüências poderosas para os fluxos de
capital. Por definição, qualquer
situação de captação líquida pode
criar um desequilíbrio cambial
explosivo. Quando uma moeda
cai, os países devedores experimentarão imensas perdas.
Tendo experimentado esse tipo
de sofrimento ou assistido a outros países que passaram por situações como essa, as economias
emergentes administradas com
mais competência vêm tentando
limitar seu passivo em moeda estrangeira. Isso é verdadeiro nas
economias asiáticas de mercado
emergente. Os países da região
vêm tentando preservar posições
robustas em conta corrente. Também reciclaram os fluxos de investimento estrangeiro direto e os
converteram em reservas oficiais
de ativos denominados em moeda estrangeira, especialmente títulos do Tesouro dos EUA.
Felizmente, para eles, é mais fácil manter uma moeda baixa do
que impedi-la de despencar. De
fato, dados os juros baixos que
prevalecem nos países do leste
asiático, onde há um superávit de
poupança, a esterilização das conseqüências monetárias de intervenções cambiais cujo objetivo é
manter um câmbio baixo termina
custando muito pouco.
Mas isso não põe fim aos dilemas que as economias de mercado emergente precisam enfrentar.
Como argumenta Ronald McKinnon, da Universidade Stanford,
quanto mais sucesso os países
conseguirem em seus esforços
por manter um balanço de pagamentos limpo e limitar passivos
líquidos em moeda estrangeira,
mais eles sofrerão "conflitos de
virtude". Em outras palavras, eles
se verão sob pressão política cada
vez mais intensa para permitir
que suas moedas se valorizem.
Valorizações desse tipo acarretam o risco de arremessar países
de inflação baixa a ciclos deflacionários e talvez a uma armadilha
de liquidez do tipo que capturou o
Japão nos anos 90. Isso é causa de
preocupação na China.
Agora considere as conseqüências de um mundo no qual os
emergentes desejem limitar sua
captação líquida em moeda estrangeira, sustentar posições robustas em seu balanço implícito
de pagamentos e resistir a pressões por valorização cambial. Presuma, além disso, que o mundo
contêm, igualmente, sociedades
ricas e em processo de envelhecimento nas quais existe um excesso estrutural de poupança com
relação a investimentos e com isso superávits duradouros em
conta corrente. O Japão é o exemplo mais importante.
Poderíamos esperar, assim, que
o fluxo líquido de capitais privados para as economias emergentes assuma predominantemente a
forma de investimento em ações.
Também podemos presumir que
o equilíbrio macroeconômico
mundial exige que ao menos alguns dos países que podem captar
recursos facilmente em suas modas mantenham grandes déficits
em conta corrente. Os EUA são o
exemplo fundamental.
Um mundo no qual tomar empréstimos no exterior é perigoso
para a maioria dos países pobres é
indesejável. Um mundo que compele o país cuja moeda serve de
âncora mundial a manter grandes
déficits em conta corrente parece
instável. Deveríamos tentar eliminar essas restrições. A maneira
mais simples seria acrescentar
uma moeda mundial à economia
mundial. Para os países de mercado emergente, pelo menos, isso
seria uma imensa vantagem.
Estou ciente das objeções políticas e econômicas a essa idéia.
Mas, se a economia de mercado
mundial deseja prosperar nas décadas vindouras, uma moeda
mundial parece ser uma necessidade lógica. Caso ela não surja, o
mundo do livre fluxo de capital
talvez jamais funcione tão bem
quanto poderia. É pouco provável
que eu venha a ver o mundo de
que estou falando. Mas talvez
meus filhos e netos vivam nele.
Tradução de Paulo Migliacci
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