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LUÍS NASSIF
Doha e Buenos Aires
O tempo diplomático é diferente do tempo jornalístico ou do tempo das empresas.
Medidas tomadas hoje vão se
refletir na vida de países daqui a
décadas. Nestes dias, dois episódios representam um marco no
desenho geopolítico brasileiro.
O primeiro, os resultados da
Rodada Doha, cujo acordo final
foi assinado no domingo. No
plano diplomático, o acordo
consagra definitivamente o papel do Brasil como liderança diplomática. O documento final
da rodada foi fechado a seis
mãos: pelos Estados Unidos, pela União Européia e pelo Brasil,
representando o G20 -o grupo
de países em desenvolvimento,
cujo fim foi anunciado diversas
vezes.
A vitória não apenas fortaleceu o Grupo dos 20 como deixou
órfãos os países que o abandonaram por pressão dos Estados
Unidos. E transformou o Brasil
definitivamente em referência
no jogo comercial internacional.
O segundo episódio será a
inauguração de uma ponte no
Acre, ligando o Brasil à Venezuela, e o lançamento da pedra
fundamental de uma segunda,
ligando o Brasil ao Peru. Rompe-se um isolamento de cinco
séculos.
O desafio, agora, consiste, no
plano mundial, em como transformar a liderança brasileira
em um dado estrutural, e não
apenas fundada no brilho dos
negociadores do momento; e, no
plano sul-americano, em como
dar passos decisivos que consolidem o pacto com a Argentina,
em um momento em que os presidentes de ambos os países
apostam na integração do continente.
No Itamaraty, não existe um
plano de ação de longo prazo,
mas idéias centrais que estão se
consolidando gradativamente.
Principal responsável pela estratégia diplomática brasileira,
o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, faz questão
de separar parcerias estratégicas de integração entre países.
Em um mundo em que as negociações comerciais cada vez
mais se farão entre blocos de
países, a vocação brasileira é a
América do Sul.
O continente não é fácil, admite Amorim. Existem forças
centrípetas fortes. É o caso do
Pacto Andino, que tende a se
deslocar para o Norte, com exceção da Venezuela e da Bolívia.
Mesmo assim, a própria idéia
do Mercosul começa a criar
uma alternativa ao Sul.
Amorim admite que sempre
deu importância para a América do Sul, mas não havia pensado sobre pontos relevantes que
começam agora a tomar forma,
como a integração física do continente. O fortalecimento da integração passa por uma visão
mais benevolente de comércio
com esses países, diz Amorim.
A integração física é uma realidade mais palpável que a comercial e a econômica. Mas a
integração econômica exigirá
uma costura política e empresarial complexas. Significará uma
política industrial comum, assim como uma política tecnológica, agrícola. Haverá a necessidade do envolvimento de associações empresariais e de responder ao enigma da esfinge: a
locomotiva Brasil conseguirá
dar velocidade ao comboio; ou o
ritmo será dado pelas economias menos dinâmicas?
Na verdade, embora a questão geopolítica seja relevante,
ainda não estão claros, nas discussões, quais os limites aceitáveis de concessão que o Brasil
poderá fazer, para conquistar a
integração continental.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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