São Paulo, quarta-feira, 04 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

Doha e Buenos Aires

O tempo diplomático é diferente do tempo jornalístico ou do tempo das empresas. Medidas tomadas hoje vão se refletir na vida de países daqui a décadas. Nestes dias, dois episódios representam um marco no desenho geopolítico brasileiro.
O primeiro, os resultados da Rodada Doha, cujo acordo final foi assinado no domingo. No plano diplomático, o acordo consagra definitivamente o papel do Brasil como liderança diplomática. O documento final da rodada foi fechado a seis mãos: pelos Estados Unidos, pela União Européia e pelo Brasil, representando o G20 -o grupo de países em desenvolvimento, cujo fim foi anunciado diversas vezes.
A vitória não apenas fortaleceu o Grupo dos 20 como deixou órfãos os países que o abandonaram por pressão dos Estados Unidos. E transformou o Brasil definitivamente em referência no jogo comercial internacional.
O segundo episódio será a inauguração de uma ponte no Acre, ligando o Brasil à Venezuela, e o lançamento da pedra fundamental de uma segunda, ligando o Brasil ao Peru. Rompe-se um isolamento de cinco séculos.
O desafio, agora, consiste, no plano mundial, em como transformar a liderança brasileira em um dado estrutural, e não apenas fundada no brilho dos negociadores do momento; e, no plano sul-americano, em como dar passos decisivos que consolidem o pacto com a Argentina, em um momento em que os presidentes de ambos os países apostam na integração do continente.
No Itamaraty, não existe um plano de ação de longo prazo, mas idéias centrais que estão se consolidando gradativamente.
Principal responsável pela estratégia diplomática brasileira, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, faz questão de separar parcerias estratégicas de integração entre países. Em um mundo em que as negociações comerciais cada vez mais se farão entre blocos de países, a vocação brasileira é a América do Sul.
O continente não é fácil, admite Amorim. Existem forças centrípetas fortes. É o caso do Pacto Andino, que tende a se deslocar para o Norte, com exceção da Venezuela e da Bolívia. Mesmo assim, a própria idéia do Mercosul começa a criar uma alternativa ao Sul.
Amorim admite que sempre deu importância para a América do Sul, mas não havia pensado sobre pontos relevantes que começam agora a tomar forma, como a integração física do continente. O fortalecimento da integração passa por uma visão mais benevolente de comércio com esses países, diz Amorim.
A integração física é uma realidade mais palpável que a comercial e a econômica. Mas a integração econômica exigirá uma costura política e empresarial complexas. Significará uma política industrial comum, assim como uma política tecnológica, agrícola. Haverá a necessidade do envolvimento de associações empresariais e de responder ao enigma da esfinge: a locomotiva Brasil conseguirá dar velocidade ao comboio; ou o ritmo será dado pelas economias menos dinâmicas?
Na verdade, embora a questão geopolítica seja relevante, ainda não estão claros, nas discussões, quais os limites aceitáveis de concessão que o Brasil poderá fazer, para conquistar a integração continental.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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