São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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ENTREVISTA

EDEMIR PINTO


Após fusão, Bolsa brasileira dá início à expansão global

BM&F Bovespa vai propor parcerias a Bolsas da Colômbia, do Chile e do Peru para dupla listagem de empresas

A NOVA BOLSA brasileira, surgida da fusão entre a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) e a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), é a terceira maior do mundo em valor de mercado e deseja ocupar um lugar entre as principais praças de negociação de produtos financeiros que existirão no futuro. Segundo especialistas, serão três: uma na América do Norte, uma na Europa e outra congregando os países hoje emergentes.

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

A estratégia da companhia para ganhar a importância que os analistas vislumbram para ela começa na América Latina. Como explica Edemir Pinto, diretor-geral da BM&F alçado há dois meses ao posto de diretor-presidente da nova Bolsa, aquisições estão fora dos planos. Pelo menos por enquanto. A idéia é compartilhar com as Bolsas do Peru, do Chile e da Colômbia os conhecimentos brasileiros em gerenciamento de risco e regulação e propor a listagem de empresas desses países na BM&F Bovespa. "O que temos que fazer é criar um grande mercado aqui na América do Sul e na América Central, e a BM&F Bovespa tem tudo para ser esse centro de liquidez", disse Pinto em entrevista exclusiva à Folha. Parcerias semelhantes com a Argentina e o México virão depois. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - Em que estágio se encontra o processo de união das duas Bolsas?
EDEMIR PINTO -
Quando começamos a integração, propusemos, como benefício para os acionistas, uma economia de 25% com as sinergias, o que equivale a cerca de R$ 125 milhões, distribuídos até 2010. Não se trata de fazer uma conta simples, de dois mais dois são quatro, depois divide por dois, porque muitos setores são complementares, já que os produtos das duas Bolsas são diferentes. Em 1º de setembro, teremos o desenho definitivo da estrutura funcional da nova companhia. Contratamos uma consultoria para esse estudo, a McKinsey, cuja tarefa acaba em três semanas. Depois de mais umas duas semanas, saberemos o quanto será reduzido na diretoria, na gerência e entre os demais funcionários. O critério que vai prevalecer é o da qualidade profissional. Naturalmente, o corte de despesas não será feito somente com pessoal, mas também em tecnologia e outras áreas.

FOLHA - Sempre se falou que, após a fusão, a cultura da BM&F predominaria sobre a da Bovespa. Isso está sendo observado agora?
PINTO -
Tanto a Bovespa como a BM&F tiveram a sua história de sucesso. Agora, temos que escrever uma nova história. A nova Bolsa vai ter a cara dela.

FOLHA - Já começaram as negociações com as Bolsas do Chile, do Peru e da Colômbia para as parcerias que darão início à expansão internacional da Bolsa brasileira?
PINTO -
No nosso plano, a América Latina é prioridade. A Bolsa não vai jogar dinheiro pela janela. Como dissemos aos nossos acionistas, não é questão de comprar. O que temos que fazer é criar um grande mercado aqui na América do Sul e na América Central, e a BM&F Bovespa tem tudo para ser esse centro de liquidez. Devemos sair a campo no final deste mês, fazendo uma abordagem simultânea nos três países. Em um segundo momento, falaremos com México e Argentina.

FOLHA - Como, exatamente, funcionarão essas parcerias?
PINTO -
A idéia é conversar com as Bolsas e com as autoridades de regulação locais para ajudá-los a desenvolver seus mercados. Não que sejam incapazes, mas a BM&F Bovespa tem condições de oferecer-lhes seu "expertise" em gerenciamento de risco, tecnologia, trading eletrônico e de viva-voz. O segmento que abordaremos de forma agressiva é a dupla listagem das companhias abertas. O que nos dá uma diferença é o Novo Mercado, uma grife de padrão internacional. Não temos, em nenhum desses países, um mercado tão organizado. Se fizermos esse centro de liquidez na América Latina, não vai acontecer como no passado, quando muitas empresas listaram seus papéis nas Bolsas americanas e européias. Estamos estudando inclusive introduzir no mercado de BDRs [Brazilian Depositary Receipts] algumas práticas semelhantes às do Novo Mercado.

FOLHA - Esses planos são para ocupar mesmo o posto de terceira Bolsa mais importante no mundo?
PINTO -
Ela já é a terceira maior Bolsa em valor de mercado, e faz tempo.

FOLHA - Sim, em valor de mercado a Bolsa já é a terceira maior, mas esse critério é suficiente para definir a sua relevância global?
PINTO -
A BM&F Bovespa custa hoje US$ 17 bilhões, enquanto a Nyse [Bolsa de Nova York] Euronext custa US$ 12 bilhões. O valor de mercado da Bolsa brasileira reflete o potencial de crescimento da companhia. As economias européia e americana são amadurecidas, e as Bolsas, nesses continentes, não têm muito mais o que crescer em termos de volume.

FOLHA - Depois das parcerias na América Latina, quais serão os passos seguintes?
PINTO -
Ainda não estamos pensando nisso. Porém, depois que faz uma expansão dessa natureza, a Bolsa se globaliza de vez. Hoje em dia, a globalização é feita por meio de plataformas eletrônicas, a exemplo do acordo que selamos com a CME [Bolsa Mercantil de Chicago], que está entrando em vigor em setembro. Nossos produtos estão distribuídos atualmente em 760 terminais. A partir do mês que vem, estaremos em 100 mil terminais em 80 países, em quatro continentes.

FOLHA - Do que mais a Bolsa precisa?
PINTO -
Precisa do desenvolvimento do país. Não chega a 20% do PIB [Produto Interno Bruto] o volume negociado no nosso mercado de capitais.

FOLHA - Como o sr. vê a economia brasileira nos próximos anos?
PINTO -
Acho que estamos com uma prova nos nossos olhos. Essa crise, se fosse no passado, pegava a gente em cheio. Você vê que o país mudou. Parece que, de fato, houve um "descolamento". A economia dos EUA não está em recessão, mas a desaceleração é fato, e não está acontecendo absolutamente nada com o Brasil. A nossa economia está no rumo. Ou seja, é questão de acreditar que o país está "descolado". Precisamos dessa crença para continuar impulsionando nosso mercado. O governo brasileiro está de parabéns, com mão-de-ferro para segurar a economia nos trinques. É um diferencial.

FOLHA - Há analistas fazendo previsões sombrias para o final do ano, na expectativa de que o Fed, o banco central americano, voltará a aumentar os juros por causa da inflação. A Bolsa corre o risco de enfrentar problemas sérios se isso realmente vier a acontecer?
PINTO -
Estou há 23 anos no mercado financeiro. Já vi juro subir e juro cair que não acaba mais, tanto aqui como lá fora. Não tem nenhuma crise que não acabe. Acho que subir juro e cair juro faz parte da administração dos países.

FOLHA - Os EUA agora estão pensando em estabelecer novas regras para a negociação de commodities a fim de coibir a especulação. Seria necessário tomar alguma medida também no Brasil?
PINTO -
Os estragos nos mercados americanos ocorreram nos mercados de balcão [onde ativos são negociados sem passar pela Bolsa], que não são regulados lá fora. Aqui no Brasil o Banco Central e a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] dão show. Temos balcão e Bolsa completamente organizados, regulados e auto-regulados.


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