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ANÁLISE
Greenspan tira o corpo fora
PAUL KRUGMAN
Li alguma coisa em algum
lugar a respeito de uma conferência sobre planejamento econômico, alguns anos antes da
queda do comunismo. O delegado soviético disse que sua agência
de planejamento sempre fazia o
máximo que podia, dentro das
circunstâncias dadas. Por isso, o
planejamento soviético era sempre o melhor possível.
O homem da Gosplan teria se
dado muito bem com Alan
Greenspan. Este se diz isento de
qualquer responsabilidade pela
imensa bolha do mercado que
surgiu durante seu turno de vigilância: diz que a política que escolheu foi a correta porque ele fez o
melhor que podia.
No discurso que proferiu na semana passada na conferência de
Jackson Hole, Greenspan apresentou duas desculpas. Em primeiro lugar, disse que, mesmo
durante a explosão maluca do
mercado em 1999, não ficou totalmente claro que alguma coisa estivesse errada: ""É muito difícil
identificar claramente uma bolha
até depois do fato -ou seja, depois que sua explosão tiver confirmado sua existência". Em segundo lugar, afirmou que o Federal
Reserve (o banco central dos Estados Unidos) não teria podido fazer nada, de qualquer maneira:
""Existe alguma política que possa
pelo menos limitar o tamanho de
uma bolha e, portanto, suas consequências destrutivas? A resposta parece ser "não"".
Não fui o único a achar esse discurso evasivo a ponto de ser perturbador. Como observou o ""Financial Times", os autores de políticas sempre têm de agir com base em informações limitadas. ""O
ônus da prova, para um banco
central, não deve ser a certeza absoluta", disse o jornal.
O editorial também lembrou
aos leitores que, embora Greenspan possa agora descrever-se como tendo estado cético, mas sem
condições de fazer qualquer coisa
durante os anos da bolha, na época muitos o viram como estando
muito a favor dela. ""O presidente
do Fed pode muito bem ter contribuído para a explosão de exuberância vista no final dos anos
90, com suas observações cada
vez mais otimistas."
Ademais, há evidências que indicam que Greenspan realmente
sabia mais do que deixou claro.
Em setembro de 1996, numa reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (a quem compete definir a taxa de juros no mercado
norte-americano), ele disse a seus
colegas: ""Reconheço que, neste
ponto, existe um problema de bolha no mercado de ações". E apresentou uma solução: ""Temos a
possibilidade de aumentar as
margens exigidas. Garanto que, se
vocês quiserem livrar-se da bolha,
seja lá o que ela for, isso será o suficiente".
No entanto ele nunca chegou a
aumentar as margens exigidas, ou
seja, nunca chegou a exigir que os
investidores apresentassem mais
dinheiro quando compravam
ações. Na verdade, além de fazer
um discurso sobre exuberância
irracional, seguido por uma pequena alta na taxa dos fundos do
Fed, Greenspan não fez absolutamente nada.
Hoje ele diz que não poderia ter
feito mais, mas como sabe disso
se em nenhum momento realmente tentou? O que realmente
aconteceu, desconfia-se, é que, no
início de 1997, Greenspan descobriu que suas tentativas hesitantes
de deflacionar a bolha que começava a se formar enfureciam os investidores -e perdeu a coragem
de agir.
Pior: ele então começou a fazer
discursos cada vez mais eufóricos
sobre as maravilhas da nova economia. Mas certamente deveria
saber que aqueles discursos eram
interpretados pelos investidores
como retratação de seus avisos
anteriores, como sinal de que os
preços cada vez mais altos das
ações eram justificados, sim, afinal de contas.
Mesmo assim, o mais importante da atitude defensiva adotada por Greenspan não é o que ela
revela quanto ao passado, mas o
que deixa entrever em relação ao
futuro.
É que Greenspan é o único criador de políticas econômicas que
temos. A política fiscal já está efetivamente afastada da pauta, em
parte devido aos déficits de longo
prazo que foram agravados pelos
maus conselhos dados pelo próprio Greenspan. É estranho que
ele não tivesse certeza de que o
Nasdaq a 5.000 pontos (ontem fechou em 1.263,84 pontos) era uma
bolha, mas acreditou que as projeções de superávit de dez anos
eram confiáveis o suficiente para
justificar um enorme corte nos
impostos.
Seja como for, qualquer ação
fiscal séria é excluída pelo oportunismo implacável da administração George W. Bush; cada proposta de estímulo econômico de
curto prazo vira uma tentativa de
implantar cortes permanentes
nos impostos das grandes empresas e dos ricos. Assim, se a recuperação continuar a perder impulso,
caberá ao Fed assumir as rédeas
da situação.
No entanto as observações de
Greenspan reforçam um receio
que venho tendo nos últimos meses, o de que os executivos do Fed
reajam à debilidade econômica
contínua não com ações, mas
com desculpas.
Já assistimos a esse processo no
Japão, muito claramente. Em primeiro lugar, os representantes do
Banco do Japão negaram que tivessem responsabilidade sobre o
combate à estagnação econômica.
A função deles, disseram, era unicamente garantir a estabilidade
dos preços.
Depois, quando a inflação deu
lugar à deflação, até mesmo a estabilidade dos preços deixou de
ser responsabilidade deles. Em
outras palavras, em lugar de arriscar-se a tentar resolver os problemas do Japão e não conseguir, o banco vem redefinindo sua missão uma vez após outra, para que
não seja obrigado nem mesmo a tentar.
Nunca imaginei que o Fed pudesse empreender o mesmo caminho. Mas, depois de ouvir Greenspan explicar por que não poderia nem deveria ter feito nada, começo a ter dúvidas.
Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton e colunista do "The New York Times".
Tradução de Clara Allain
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