São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Discurso do medo

Precaução exagerada é tudo o que não precisamos, pois isso estancaria a expansão interna que começa a pegar ritmo

O BRASIL não tem bons antecedentes em gestão interna diante de crises internacionais. Nos anos 1970, quando eclodiram as duas crises do petróleo, adotou-se a estratégia da "ilha de prosperidade", segundo a qual a economia brasileira não seria atingida pela disparada dos preços dos combustíveis. O país quebrou na seqüência porque não conseguiu arcar com o custo dos créditos tomados no exterior para financiar as compras de petróleo. Mais recentemente, nos anos 1990, a reação às crises do México e da Ásia foi espalhafatosa. Os juros internos foram "jogados na Lua", como se dizia na época, e lá ficaram muito mais do que se exigia para enfrentar a tormenta -na verdade, estão perto da Lua até hoje. Como resultado, o país viveu mais de uma década de crescimento pífio, enquanto os demais emergentes prosperavam.
Duas lições, portanto, podem ser tiradas desses eventos. Primeira: o país, como qualquer outro emergente, não é imune a crises internacionais. Segunda: não se deve exagerar na dose dos remédios anticrise.
A atual turbulência do "subprime", mesmo antes de termos uma idéia exata sobre seus efeitos para a economia mundial, já jogou fermento no velho discurso do medo, o mesmo que levou o país à estagnação durante longos anos no fim do século passado e no início deste. Em resumo, o discurso do medo defende a idéia de que o risco de crise nos obriga a fazer imediatamente um novo aperto fiscal e monetário. Sabemos aonde leva essa conversa. A experiência mostra que ajustes fiscais não se dão por corte de gastos correntes da inchada máquina estatal, e sim pela contenção de investimentos, com comprometimento da infra-estrutura do país. E ajuste monetário se faz com "juros na Lua", como estamos cansados de ver.
A precaução exagerada dos medrosos é tudo o que o país não precisa. Pela simples razão de que isso iria estancar, em nome do medo, o crescimento que começa a pegar ritmo na economia interna.
O que fizeram os EUA e a Europa diante da ameaça de que o aperto global de crédito venha a conter o crescimento? O BC americano reduziu imediatamente os juros do redesconto em 0,5 ponto percentual e acenou com corte na taxa básica de juros agora em setembro. O próprio governo Bush anunciou medidas de apoio a endividados. O BC europeu, que pelas expectativas do mercado deveria elevar a taxa básica em 0,25 ponto na reunião do dia 6, poderá agora mantê-la em 4%.
Por aqui, o BC flerta com a contramão. Esperava-se um novo corte de 0,50 ponto na Selic, mas agora já se prevê redução de apenas 0,25 ponto amanhã ou mesmo a manutenção da taxa lunática de 11,5%.
Isso é medo, atitude injustificável. O ambiente econômico no Brasil e na América Latina continua bastante favorável. Mesmo que sobrevenha um desaquecimento da economia americana, o Brasil poderá sustentar seu ritmo com a expansão do mercado interno, desde que esse não seja golpeado por medidas retranqueiras. Vendas de varejo, por exemplo, cresceram 13% em um ano e são muito sensíveis à alta de juros.
As condições internas atuais são bem diferentes das da década passada. O país tem US$ 160 bilhões de reservas, que o protegem contra aperto no pagamento de contas externas. A dívida externa representa apenas 14% do PIB, contra 40% no fim dos anos 1990. O crescimento se aproxima da taxa de 5% ao ano e a inflação, apesar de um certo avanço no atacado, se mantém comportada entre 3% e 4% ao ano.
Em momentos de crise como esse, a economia precisa de estímulos, não grilhões. Não há por que dar asas ao discurso retranqueiro do medo.


BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e 1º vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP).

bvictoria@psi.com.br


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