São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2007

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ANÁLISE

A crise de crédito vai crescer

WOLFGANG MUNCHAU
DO "FINANCIAL TIMES"

"Operações financeiras não se prestam a inovações. Aquilo que costuma ser recorrentemente descrito e celebrado por esse termo representa quase sem exceção uma pequena variação sobre uma forma estabelecida. O mundo das finanças saúda vezes sem conta a invenção da roda, mesmo que muitas vezes as versões novas sejam um pouco mais instáveis". John Kenneth Galbraith, em "A Short History of Financial Euphoria"

O ECONOMISTA John Kenneth Galbraith, que morreu no ano passado, teria apreciado o verão (no hemisfério Norte) deste ano. Ele não era especialista nos modernos mercados de crédito, mas sua análise de bolhas históricas se enquadra ao atual momento de expansão e contração com alta precisão.
Todas as bolhas históricas vieram acompanhadas de uma alta acentuada no endividamento. Um traço saliente das modernas bolhas é o surgimento de produtos financeiros inovadores. Não importa que estejamos falando de "junk bonds" ou das obrigações de dívida caucionada (CDOs) modernas. Como diz Galbraith, esses produtos se resumem a variantes da idéia de papéis de dívida lastreados por ativos reais.
Em termos históricos, nossa bolha de crédito é provavelmente uma das maiores, dado o tamanho imenso do mercado e o grau de euforia que caracterizou os estágios finais da expansão. Embora as conseqüências negativas inicialmente se devam concentrar no setor financeiro, seria surpresa não contagiarem a economia. A oferta de crédito afeta os preços dos imóveis, e estudos mostram a interconexão entre os preços das residências nos EUA e o crescimento econômico do país.
Assim, o que os bancos centrais deveriam fazer? Suspeito que não devam exercer papel central em qualquer operação de resgate, função que cabe aos governos. E o espaço de manobra dos BCs em relação a corte os juros é mais restrito, agora, do que na última recessão.
Além disso, o mais importante é que não se trata do tipo de crise que possa ser contida com facilidade com cortes apressados de juros ou resgate a bancos. Caso o valor da hipoteca de risco, ou "subprime", de um imóvel exceda em 10% ou mais o seu valor de mercado, e caso a prestação mensal exceda a renda do devedor, não há taxa de juros que sirva de alívio, mas um esforço sério de redução ou perdão de dívidas.
Os economistas Dimitri Papadimitriou, Greg Hannsgen e Gennaro Zezza publicaram na semana passada um estudo no qual demonstravam o risco de que a atual crise no setor imobiliário representa para o crescimento econômico dos EUA. Eles argumentam que é quase impossível que as autoridades detenham o declínio nos preços dos imóveis, mas que "se o BC e o Congresso puderem agir para impedir qualquer recessão incipiente, eles impedirão perdas de empregos, um dos principais fatores determinantes na execução de hipotecas por inadimplência. Um método efetivo seria um esquema de garantia de emprego, sob o qual o governo ofereceria trabalho a todos que desejassem".
Devemos recordar que o "subprime" não é a única subcategoria instável do mercado de crédito. Assim que o consumo americano se desacelerar, devemos nos preparar para uma crise nos CDOs de cartões de crédito e de financiamento de automóveis. E assim que o número de falências de empresas voltar a subir, à medida que o ciclo avança em seu período de baixa tanto nos EUA quanto na Europa, provavelmente ouviremos falar de mais problemas com dívidas. O mercado de crédito é muito profundo e de alto potencial de contágio.
As autoridades fiscais e monetárias devem portanto presumir que terão de enfrentar uma crise de solvência. Resgatar um banco avulso, como os alemães fizeram no mês passado, não será suficiente.
Em lugar disso, as autoridades fiscais e monetárias deveriam estar prontas a apoiar a economia se e quando necessário. Juros mais baixos devem ser parte do pacote, nos EUA e na zona do euro, mas boa parte da ajuda terá de ser fiscal.
Um dos problemas que as autoridades monetárias precisam enfrentar é o do risco moral. Ele resulta de expectativas assimétricas, já que os mercados esperam que os BCs resgatem o setor financeiro em períodos de crise. O problema do risco moral em certa medida se relaciona ao da estratégia de política monetária dos BCs, com seu foco mecanicista em um índice único de preços ao consumidor. Essas estratégias muitas vezes não têm espaço para preços de ativos, mas os mercados sabem bem que os bancos centrais invariavelmente precisam levar em conta os preços dos ativos, em períodos de queda acentuada. Uma maneira de escapar a essa assimetria é a inclusão dos preços dos ativos nas normas de formação de política monetária dos BCs.
Assim, uma operação de resgate ao setor financeiro pode ser inevitável, mas deve vir acompanhada de mudanças estruturais. Regulamentação financeira mais forte é provável. O papel das agências de classificação de crédito deve mudar. E os BCs deveriam reconsiderar suas normas de política monetária. São parte do problema.


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