São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2001

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O VAIVÉM DO DÓLAR

Investimento em real fica mais atraente, enquanto respaldo do FMI ajuda a absorver contágio argentino

Especulação mais cara tira força do dólar

RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL

Ficou caro -e menos atraente- especular com dólar. Nos últimos dias, os investidores tinham bons motivos para encher os cofres com a moeda norte-americana, como faziam a cada sinal de problemas no Brasil ou no exterior, mas não foi o que ocorreu. Na semana, a cotação recuou 2%.
A Argentina deu mais um passo para o colapso econômico, a guerra no Afeganistão seguiu indefinida, a economia americana apresentou o pior resultado em dez anos e a privatização da Copel micou. Ainda assim, o dólar caiu.
Esse movimento surpreendente tem duas explicações. A primeira é que o dólar está caro demais, e os investimentos em reais ficaram mais atraentes. O dólar teria que chegar a R$ 3,20 no final do ano que vem para oferecer o mesmo rendimento dos juros de uma aplicação em reais.
Outro motivo é que, mesmo com tantos problemas no mundo, os investidores estão se sentindo mais seguros. Uma combinação de melhores resultados na economia brasileira e sinais emitidos nos EUA animam os investidores.
"É tudo uma questão de percepção", diz Dawber Gontijo, estrategista-chefe do HSBC Investment Bank. "O mercado se convenceu de que o país está mais seguro."
A maior razão dessa segurança vem de Washington. Nos últimos dias, os investidores leram cada vírgula dos pronunciamentos das autoridades americanas e do FMI (Fundo Monetário Internacional). Concluíram que os EUA não vão fazer força para resgatar a Argentina do abismo econômico. Mas, mesmo com o abandono do vizinho, o Brasil terá ajuda.
"O secretário de Tesouro dos EUA, Paul O'Neill, deu sinais de que as torneiras fecharam para a Argentina, mas estão abertas para o Brasil", diz Márcio Verri, estrategista-chefe do BankBoston.
Os investidores acreditam que, se a crise argentina sair do controle, o Brasil não será tão afetado, porque o FMI soltará um novo empréstimo (estimado em US$ 10 bilhões) para estabilizar o real.
"As pessoas acreditavam que uma moratória na Argentina levaria o dólar para R$ 3 e os juros para 30% ao ano. Com o respaldo do FMI, isso fica mais difícil de ocorrer", afirma Maurício Zanella, diretor do Lloyds TSB.
Some-se a isso uma melhora nas contas externas brasileiras. Dólar alto e queda no consumo inibiram as importações. No início do ano, especialistas projetavam déficit comercial de US$ 2,5 bilhões, e agora falam em superávit de US$ 1,2 bilhão. "A melhora nas contas externas diminui a pressão sobre o dólar, porque reduz a necessidade de financiamento do país", diz Gontijo.
Outro motivo para a queda do dólar é o prejuízo sofrido pelos investidores. Deixar o dinheiro aplicado em dólar começou a ser visto como mau negócio. Basta ver as projeções dos investidores na Bolsa de Mercadorias & Futuros. O dólar só terá o mesmo rendimento de uma aplicação em reais se a cotação bater em R$ 3,20.
Poucos acreditam que o dólar suba tanto. "O dólar já chegou a um patamar alto. Pode ser desconfortável comprar mais moeda americana, porque ficou caro demais", diz Zanella, do Lloyds TSB.
O Banco Central também contribuiu para diminuir o apetite pelo dólar. Além de ter estreitado o limite das aplicações dos bancos, abasteceu o mercado com títulos que rendem tanto quanto a moeda dos EUA. "Desde o início do ano, o governo vendeu cerca de US$ 20 bilhões em títulos. O mercado está estufado", diz Verri.
Quanto tempo vai durar a boa maré? É difícil saber. Os investidores dizem que o novo pacote argentino deve trazer mais nervosismo. A dúvida é saber se o respaldo do FMI será suficiente para conter esse novo choque.


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