São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2001

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Eleição faz escala no Qatar, com guerra de patentes

DO ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

A campanha eleitoral de 2002 faz uma escala em Doha nesta semana: o ministro da Saúde, José Serra, será um dos quatro ministros brasileiros que comparecerão à reunião da OMC, preocupado menos com comércio e mais com a guerra de patentes em que está envolvido há algum tempo com os Estados Unidos.
Mais: Serra fez um esforço para levar outros ministros da Saúde de países em desenvolvimento ao Qatar (obteve no mínimo a adesão do colega venezuelano).
O troféu buscado pelo ministro brasileiro é uma declaração que diga: "Nada no acordo Trips pode evitar que os membros (da OMC) tomem medidas para proteger a saúde pública".
Trips é a sigla em inglês para Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio.
Para simplificar, é o que protege, por exemplo, as patentes para remédios.
Serra quer ter a liberdade para comprar remédios em países que não respeitam patentes ou autorizar firmas brasileiras a fabricar remédios patenteados por multinacionais estrangeiras (licenciamento compulsório), em caso de crise na saúde pública, como se dá com a Aids.
Os Estados Unidos se opõem. Propõem um fraseado que afirma a plena validade do acordo de Trips e lembram que ele tem suficiente flexibilidade para "enfrentar crises de saúde pública como a da Aids e outras pandemias".

Disputa pelo título
As duas propostas de texto figuram no esboço de uma declaração à margem do documento final de Doha. A guerra é tão acirrada que não houve acordo prévio nem mesmo em torno do título do documento.
O Brasil, com o apoio de 51 países em desenvolvimento, queria "Trips e Saúde Pública". Os Estados Unidos, com o respaldo da Suíça, preferem "Trips e acesso a medicamentos".
A batalha das patentes será, certamente, a mais vistosa em Doha, até porque é eminentemente política. "Não tem ganhos comerciais", reconhece o embaixador brasileiro em Genebra, Celso Amorim.

Vida ou lucro
Tem, sim, um enorme apelo, na medida em que se trata de "escolher entre a vida e o lucro", título de entrevista com Amorim que o jornal francês "Libération" publicou segunda-feira.
O embaixador diz que o título é um exagero, mas afirma: "O ideal é não ter que escolher entre a vida e o lucro. Mas, em certos momentos, é preciso escolher".
O governo norte-americano acha que essa é uma falsa dicotomia. Na quinta-feira, em conversa com jornalistas com o compromisso de não-divulgação do nome, um alto funcionário do USTr disse que "a proteção à propriedade intelectual, tal como prevista na OMC, pode ser respeitada, e os países podem ainda assim responder eficazmente à emergências em saúde pública".
Para ele, trata-se apenas de deixar claro para o público que uma coisa não é incompatível com a outra.

ONGs e "New York Times"
De todo modo, a causa brasileira tem inequívoco respaldo das ONGs (Organizações Não-Governamentais) da área. E ganhou o apoio, na quarta-feira, do jornal norte-americano "The New York Times", que, em editorial, copiou a tese de Celso Amorim sobre a escolha entre vida e lucro.
O editorial lembra a ofensiva do próprio governo norte-americano para reduzir o preço do Cipro, o antibiótico que combate o antraz, e acrescentou: "Para milhões de doentes de Aids, as patentes que mantêm altos os preços dos remédios são uma grande razão para que o tratamento fique fora do alcance. O antraz matou um punhado de americanos até agora. A Aids matou 22 milhões no mundo todo". (CR)


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