São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2001

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BATALHA DE DOHA

Estudo do Banco Mundial prevê que fim de barreiras comerciais tiraria 320 milhões de pessoas da pobreza

Reunião da OMC tenta reativar comércio

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

Bem perto do novo inimigo (o terrorismo e a guerra), mas mais longe do antigo adversário (o movimento antiglobalização), a Organização Mundial do Comércio tenta, a partir de quinta-feira, devolver o mundo ao ritmo dos negócios como de costume.
Será na 4ª Conferência Ministerial, instância suprema dessa instituição de 142 países que regula o comércio planetário, marcada para o Qatar, a apenas 1.600 quilômetros do Afeganistão, suposto QG do terrorismo e alvo de ataques norte-americanos.
O novo inimigo é tão poderoso que, até o último momento, vai-se duvidar de que o Qatar possa de fato abrigar a conferência. Na sexta-feira, por exemplo, o diretor-geral da organização, Mike Moore, passou mais tempo respondendo perguntas sobre segurança do que sobre comércio.
E teve que jurar, uma e outra vez: "Eu vou ao Qatar".
Como o Qatar exige visto de entrada para cidadãos de todos os países, menos os do Golfo Pérsico, e como sua capacidade hoteleira é limitada, o encontro da OMC corre menos risco, ou até risco zero, de ser sitiado pelos manifestantes antiglobalização, ao contrário do que ocorreu há dois anos em Seattle (EUA).
Seattle foi sede da 3ª Conferência Ministerial da OMC, que naufragou estrepitosamente, em meio ao que seria o primeiro grande espetáculo de protestos contra a globalização, e principalmente em meio a divergências entre os delegados dos 142 países.
Tanto em Seattle como agora em Doha, a capital do Qatar, o objetivo é lançar uma nova e ainda mais abrangente rodada de negociações comerciais.
O fracasso de 1999 torna imperativo evitar um novo colapso, ainda mais agora que as principais economias do planeta emitem todos os sinais de forte desaceleração, até de recessão. "Acho que o lançamento de uma nova rodada provocaria uma resposta positiva nos mercados financeiros", diz, por exemplo, Robert Zoellick, chefe do USTr (United States Trade Representative, uma espécie de Ministério do Comércio Exterior norte-americano).
Nem é tanto o ganho que se tem em vista, mas o prejuízo se a rodada não acontecer, como acrescenta Zoellick: "Precisamos evitar uma resposta negativa dos mercados financeiros, como ocorreria se o encontro terminar em divergências como o anterior".

Crescimento sem barreiras
Para adoçar a boca dos participantes, especialmente os ressabiados países em desenvolvimento, o Banco Mundial divulgou na quarta-feira um estudo que diz que a renda mundial, se abolidas as barreiras comerciais, cresceria US$ 2,8 trilhões até 2015 (o que dá mais ou menos um terço da economia dos EUA) e 320 milhões de pessoas sairiam da pobreza.
O problema é que números semelhantes foram plantados após o encerramento da rodada anterior (Rodada Uruguai, finalizada em 94) e, na prática, não foi o que se viu. Basta citar as dificuldades externas do Brasil para mostrar que a liberalização do comércio não é necessariamente o paraíso na primeira curva da esquina.
O Banco Mundial, aliás, alerta para o fato de que suas previsões cor-de-rosa dependem não apenas da liberalização comercial mas das reformas que tradicionalmente são recomendadas aos países em desenvolvimento.
Para o Brasil, o que está em jogo na reunião de Doha é, em primeiro lugar, abrir o mercado agrícola dos países ricos e evitar que exportações subsidiadas continuem barrando o acesso da produção brasileira a terceiros mercados.
O ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, já chegou a calcular para a Folha em US$ 6 bilhões o acréscimo em exportações do agronegócio se houver uma liberalização agrícola, uma das grandes batalhas de Doha (veja quadro ao lado).

Embraer e Bombardier
Mas há mais em jogo que comércio. O governo brasileiro encara a conferência do Qatar como uma chance de rever ou flexibilizar regras estabelecidas na Rodada Uruguai e que supostamente prejudicam o país, como se descobriu tardiamente.
Um dos exemplos é o acordo de Trips (leia texto abaixo). O outro são as regras para subsídios.
A disputa entre a brasileira Embraer e a canadense Bombardier demonstrou que o Brasil teve que, sucessivamente, adaptar seu financiamento à exportação (no caso, de aviões) à regras da OMC que seguiam padrões impostos pelos países desenvolvidos.
A rediscussão das regras agora abre a porta para "uma certa flexibilidade para políticas de desenvolvimento nos países emergentes", como diz Celso Amorim, o embaixador brasileiro nos organismos internacionais estabelecidos em Genebra (caso da OMC).
Ao contrário de Seattle, em que as divergências foram estimuladas por um rascunho de declaração final de 32 páginas, impossível de ser destrinchado em cinco dias de negociação, o papel pronto para Doha tem só 11 páginas. Não agrada a ninguém, mas tampouco foi considerado inviável ou inaceitável por país nenhum.
A conferência será, então, um sucesso? Só os cinco dias da batalha de Doha responderão. Afinal, tudo "depende do que se considera sucesso", como diz Mike Moore, o diretor-geral da OMC.


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