São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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CONSUMO

Poder decisório nas compras se dilui com influência crescente das crianças, dos grupos de amigos e dos avós

Mudança na família afeta publicidade

MEG CARTER
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando a GM anuncia seu modelo Meriva no Reino Unido, dirige o comercial a consumidores que nem mesmo dispõem de uma carta de motorista, quanto mais do preço inicial de 10 mil libras (cerca de R$ 52 mil) cobrado pelo modelo. Os comerciais da marca na TV mostram dois vizinhos discutindo os méritos relativos de seus carros e suas famílias. Nada incomum, se os dois não fossem crianças. As famílias vêm mudando, e as influências que afetam as compras familiares, o principal fator de venda em quase todos os mais importantes setores de consumo, também se alteram. As empresas precisam ficar atentas.


As famílias vêm mudando, e as influências que afetam as compras familiares também se alteram. As empresas precisam ficar atentas


Dez anos atrás, o principal poder decisório na família era exercido por um homem de meia-idade. Agora, de acordo com Michelle Harrison, diretor de consultoria de futuros no Henley Centre, as decisões são pesadamente influenciadas pelas conversas entre mães à porta da escola, por filhas e filhos e até por avôs e avós.
"A família nuclear tradicional responde por apenas 30% dos domicílios no Reino Unido, hoje", diz Harrison. "Em ascensão, temos famílias adotivas e famílias sem parentesco consangüíneo -grupos de amigos que, embora não sejam parentes, funcionam como se o fossem."
Por exemplo, pesquisas do Henley Centre demonstraram que, quando o assunto é procurar conselhos quanto a serviços financeiros, 39% das pessoas recorrem primeiro a um parceiro, 37% a um amigo e 24% a suas mães.
Os números superam por larga margem a preferência pelos consultores profissionais ou pela imprensa financeira. Harrison acredita que esse seja só um exemplo de uma tendência mais ampla que vem registrando queda de confiança nas informações vindas de instituições ou fontes oficiais.
No grupo publicitário Publicis, o vice-presidente de estratégia, Paul Edwards, concorda quanto à escala do desafio. "Não acredito que muitas organizações estejam dedicando interesse suficiente às mudanças fundamentais na estrutura familiar e ao impacto que isso já vem exercendo sobre as decisões de compra."

Onda de mudanças
Acrescente-se a essa visão de famílias em fluxo o debate atual quanto aos desafios ao tradicional poder da publicidade para promover o consumo. Pouco admira, assim, que as empresas, pressionadas, estejam inseguras sobre como agir em meio a essa onda de mudanças. Se o objetivo fosse mapear a nova paisagem, por onde se deve começar? E de que maneira isso poderia ser posto em prática?
Primeiro, as crianças continuam a ser uma influência importante, particularmente nos setores de entretenimento e tecnologia. Não se trata do poder da teimosia infantil, no sentido tradicional. Em lugar disso, o que estamos presenciando é uma sutil democratização da vida familiar.
"As crianças agora são encorajadas a expressar opinião quanto às decisões de compra muito mais cedo do que em passadas gerações", diz Marie Oldham, co-diretora-executiva do Media Planning Group, uma subsidiária da Havas que assessorou a Orange, a Walt Disney e a Volkswagen. "A crescente prosperidade, as pressões de tempo mais intensas e a culpa cada vez mais forte resultaram em maior democracia, maior discussão e maior negociação."
Oldham menciona dados da consultoria de pesquisa de consumo TGI como prova do grande poder que crianças entre os 11 e os 14 anos agora exercem sobre os gastos familiares, especialmente com produtos de tecnologia. Setenta e cinco por cento das crianças dessa faixa etária dizem influenciar que aparelho de som suas famílias adquirem. E o que vale para aparelhos de som aplica-se a qualquer aparelho de tecnologia, diz ela. "As crianças têm mais experiência com produtos tecnológicos que seus pais."

Grau de influência
O grau em que uma criança -ou qualquer membro da família- influencia decisões de compra do domicílio não é constante. Um fator é o tipo de compra, como uma simples operação de reabastecimento ou o consumo ocasional de itens mais dispendiosos. Outras variáveis são a idade da criança e o produto envolvido.
Na moda e nos cosméticos, existem indícios cada vez mais fortes de que as filhas mais jovens têm influência sobre suas mães na casa dos 30 e 40 anos. "Não muito tempo atrás, as mães e filhas usavam produtos muito diferentes. Agora se vestem da mesma forma, e as mães procuram aprovação e conselhos das filhas sobre como se manter na moda e atualizadas", diz Lisa Betti, sócia gerente da Liquorice, uma agência de marketing. Pensem no impacto que isso pode exercer sobre o consumo, sobre as lojas de moda. Zara e Top Shop, por exemplo, vêm prosperando ao atender a uma gama de idades mais ampla, enquanto Marks and Spencer, em geral, não tem bom desempenho porque não atrai jovens.
Os filhos exercem considerável influência sobre as compras de música, tecnologia e jogos de computador de seus pais, diz Robin Lauffer, diretor de estratégia e percepção quanto ao consumidor do grupo publicitário Euro RSCG, que atende clientes de tecnologia como a Intel e a Microsoft.
Lauffer diz que "os pais continuam a controlar as portas. A relação entre pais e filhos, mães e filhas se tornou mais complexa à medida que os filhos adotam cada vez mais o papel de resenhistas críticos, editando informações e formando o gosto de seus pais quanto a categorias de produtos que estes não têm tempo para pesquisar por conta própria".
Em outras categorias, as mudanças são muito menos aparentes. "A maior parte das mães continua a ter a responsabilidade primordial pelos cuidados com as crianças e assim têm mais influência que os parceiros nas compras semanais. Muitos pais, enquanto isso, assumem um papel mais ativo nas compras de final de semana, particularmente no que tange a entretenimento e passeios familiares", diz Dave Lawrence, diretor de planejamento na Logistix, uma empresa especializada em marketing familiar.
Os grupos de colegas são outra influência repetidamente detectada pelos pesquisadores de mercado. "A mentalidade de rebanho é forte entre as pessoas de 15 e 24 anos, especialmente os meninos. Só a partir da metade da casa dos 20 anos eles se tornam mais autônomos e confiantes quanto às suas opções de consumo. Até lá, escolhem produtos e marcas que os ajudem a ganhar aceitação e se enquadrar", diz Jason Brownlee, diretor da Emap Insight, parte da divisão de publicidade do grupo de rádio e editorial.
Isso é relevante para além da adolescência. Brownlee destaca um grupo de pessoas com entre 25 e 40 anos que classifica como Super Jovens. Independentes e confiantes, passam a confiar em informações de conhecidos e em endossos pessoais, depois que têm seu primeiro filho.
Por fim, temos uma evolução no papel dos avôs. Vinte por cento dos avôs alegam estar "pesadamente envolvidos" na criação dos netos, de acordo com a agência de publicidade OMD.
"Também constatamos que as pessoas com mais de 50 anos têm influência significativa sobre as aquisições de carros, produtos financeiros e pacotes de férias de seus filhos", disse Jo Rigby, diretora de pesquisa da OMD.
Os anunciantes já estão estudando estratégias para estimular publicidade na forma de endosso pessoal de produtos. Edwards, da Publicis, fala de uma reforma mais fundamental na visão convencional do processo de compra. Tradicionalmente, o processo é visto como linear e começa com a coleta de informação sobre o produto pelo consumidor. Ele compara e seleciona um produto, faz uma verificação final e compra. Mas o consumidor moderno vive aberto a muitas influências em cada estágio.
"Não temos visto muita inteligência, em termos de marketing ou desenvolvimento de novos produtos. O ciclo de compra ainda é visto, o mais das vezes, como um modelo simples e linear, mas não é: a dinâmica mudou de maneira fundamental", diz Edwards.
Além da campanha do Vauxhall Meriva, a marca de sucos Capri-Sun, controlada pela Kraft, é muitas vezes citada como exemplo de produto promovido de geração a geração. O marketing apela às demandas racionais das mães por uma bebida "natural". A embalagem colorida atende aos desejos das crianças por itens divertidos.
O erro mais comum das marcas é que se concentram em uma única relação no seio da família, acredita Lawrence. "Dirigir publicidade a crianças para que os pais sejam influenciados simplesmente exclui os pais e dá errado para a marca. O futuro, para as marcas voltadas à família, é que sejam uma força de união no interior de cada família. Para que isso seja possível, é preciso compreender o equilíbrio de poder dentro da família, não apenas uma das relações que ela abarca. Não existe marketing para crianças; o futuro está no marketing para a família."


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