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LUÍS NASSIF
As premissas do pacote
Sabe a diferença entre um executivo e um intelectual? O rei chama os dois e expõe o problema: "O
país não pode mais contar com financiamentos externos e precisa
reduzir suas necessidades de tomar dólares. O que me sugerem?".
Sem muita firula, o executivo
vai ao ponto: "O senhor pode parar de pagar juros e amortizações
de empréstimos, proibir a saída de
dólares e contar com a volta dos financiamentos internacionais?". O
rei: "Não". "Então a única saída é
estimular as exportações e desestimular as importações", conclui o
executivo. E trata de preparar um
plano para atingir o objetivo.
Aí entra em ação o intelectual:
"Se todos os países quiserem reduzir as importações e aumentar as
exportações, no agregado você vai
contrair o comércio internacional.
Portanto esse raciocínio é macroeconomicamente um equívoco". O
rei, também intelectual, entusiasma-se: "Uma análise brilhante.
Mas o que eu faço com isso?".
A entrevista dada por André Lara Resende a Celso Pinto, no último domingo, é uma boa oportunidade de avaliar as premissas nas
quais se baseia a equipe econômica para fundamentar o pacote fiscal e se perguntar: o que o país faz
com isso?
Há um objetivo a ser alcançado
e dois problemas a ser enfrentados
pela política econômica. O objetivo é o desenvolvimento auto-sustentado. Os problemas, o déficit
interno e o déficit das contas correntes. A solução dos déficits deve
ser um dos meios para se atingir o
objetivo. Portanto sua solução não
pode comprometer o objetivo.
O ponto que deflagrou a crise, segundo Lara Resende, foi "a brutal
restrição do financiamento externo (...) por razões que nada têm a
ver com o Brasil".
Se a crise de financiamento é sistêmica, o desafio consiste em depender menos de dólares. Dentro
do quadro atual, como se reduz a
dependência externa? Aumento de
exportações não resolve porque é
uma tese "macroeconomicamente
equivocada" -como se o Brasil
pudesse desequilibrar o comércio
internacional, com sua participação de 1%. E, se é macroeconomicamente equivocada, como justificar que o mesmo governo tenha fixado a meta de dobrar as exportações em quatro anos?
Financiamento externo, nem
pensar, porque a crise é sistêmica.
Pior: confrontado com as afirmações de Paul Krugman, de que a
comunidade financeira internacional parte de análises erradas
da crise (como promover ajuste
fiscal em economias em recessão),
apenas para atender às expectativas de mercado, Lara Resende sustenta que as expectativas são importantes e têm que ser atendidas
-ainda que se baseiem em premissas falsas- porque, estando
certas ou erradas, podem afugentar os investidores. Como se ainda
houvesse investidores.
Além disso, expectativa por expectativa, o último fim-de-semana
foi pródigo em análises dos principais porta-vozes da comunidade
financeira internacional, sustentando que o pacote fiscal brasileiro é inconsistente porque não resolve as fragilidades nas contas externas.
Possibilidades
A rigor, Lara Resende acena
com duas possibilidades de redução das fragilidades externas. A
primeira, a idealização do futuro,
contando com insumos que, a rigor, se mostram insuficientes, no
tempo, para vencer a crise externa. "Se" investirmos mais em educação, "se" as importações passarem a ter conteúdo tecnológico,
"se" os países da Ásia perceberam
o Brasil como uma boa oportunidade de investimentos para seu
excedente de capital... Ou seja, um
avião amarrado com barbantes,
que cairá mesmo estando em perfeito estado de funcionamento.
A segunda possibilidade é a relação automática que estabelece entre equilíbrio das contas internas e
das contas externas. Lara Resende
toma por verdade consagrada esse
automatismo entre os dois déficits.
Um país pode substituir a poupança externa por poupança interna.
Resolvido o problema do déficit
interno, automaticamente estará
resolvido o problema do déficit externo.
Uma teoria, para ser universal,
precisa se aplicar a todos os países
e a todas as situações.
* O Chile obteve equilíbrio nas
contas internas e levou anos até
equilibrar as contas externas, o
que só aconteceu devido ao aumento do preço do cobre.
* O Japão é superavitário, a Rússia, deficitária, e ambos são alvos
de corridas especulativas. A teoria
em questão explica o caso russo,
mas não se aplica ao japonês.
* O maior componente do déficit
público brasileiro, nos últimos
anos, foram as taxas de juros,
mantidas elevadas para atrair dólares para o país -não para financiar a dívida pública, que, em
meados de 1994, era irrisória.
É medida de prudência amarrar
o destino do país cegamente a
uma teoria que se comprovou não
ser de aplicação universal? E se
não equilibrar as contas externas?
E qual o prazo de tempo para que
isso ocorra? E se o Chile tivesse
embarcado nisso na época?
Descanso eterno
Recebo do leitor Richard Calson
o seguinte e-mail: "Luís, seu artigo
(sobre planos de saúde) me deixou
uma dúvida. Sou candidato a
doador, uma vez que acho que
meus órgãos podem servir para
que uma pessoa viva melhor do
que eu, depois de morrer. No seu
artigo, você disse: "Todo candidato
a doador, depois de morto, deverá
se inscrever...'. Será que vou ter
que enfrentar uma fila daquelas?".
Preparei um copião da coluna,
burilei e mandei a coluna burilada. Não entrou no sistema. Remandei por engano o copião. Fiz
por merecer a gozação. Diferentemente do que escrevi, os mortos
podem descansar em paz. A eles,
peço perdão.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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