São Paulo, segunda-feira, 04 de dezembro de 2006

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De olho na eleição, Kirchner congela preços

Governo tenta conciliar alta do consumo, refletida em crescimento recorde, com inflação baixa fazendo "acordos de preços"

Economistas e empresários criticam medida; setor agropecuário inicia greve de 9 dias para protestar contra a política "intervencionista"

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Cinco anos após o "corralito" financeiro, que limitou os saques bancários dos argentinos a 250 pesos por semana e levou a classe média a fazer panelaços pelas ruas, a Argentina segue seu caminho de recuperação econômica com outra receita heterodoxa: o congelamento de preços de produtos específicos.
A estratégia é alvo de duras críticas dos economistas, causa arrepios no empresariado e revolta o setor agropecuário, que ontem entrou em greve para protestar contra a política econômica do presidente Néstor Kirchner.
Para atingir dois objetivos difíceis de conciliar -manter elevados os níveis de consumo que sustentam o crescimento econômico e conter o avanço inflacionário-, o governo usa os chamados "acordos de preço" para estipular desde o valor de frutas, hortaliças, hambúrgueres e refrigerantes aos preços das vitrines de grifes como Yves Saint Laurent e Christian Dior.

Eleições
Com os olhos fixos nas eleições para a Casa Rosada em 2007, o presidente Kirchner faz questão de mostrar seu envolvimento pessoal nesse controle. O marketing político funciona: a impressão que se tem, ao ler os jornais locais ou ao assistir à TV, é a de que o presidente cuida de cada pequena compra feita pelo consumidor argentino.
Mais do que combater efetivamente a inflação, as medidas diluem a percepção dela. A dona de casa quando vai ao supermercado, encontra nas prateleiras cerca de 300 artigos com o preço congelado.
Produtos e serviços que compõem a lista dos que não podem sofrer reajustes são exatamente os que mais têm impacto sobre o IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que, artificialmente, é mantido baixo.
Na semana passada, a ministra da Economia, Felisa Miceli, completou um ano no cargo com grande alarde sobre indicadores econômicos e sociais, ressaltando a defesa do poder de compra do povo argentino.

Inflação
Enquanto o governo comemora o bom desempenho do IPC, porém, outros índices de evolução de preços indicam que a inflação continua bastante viva. O ICC (Índice de Custo da Construção) e o IPI (Índice de Preços Implícitos) crescem bem mais do que o índice sobre o qual se debruça o governo.
Desde maio, é contínua a aceleração nos indicadores de consumo na Argentina, sustentada pela recuperação do emprego e dos salários. Em setembro, foi recorde dos últimos dois anos a expansão das vendas nos supermercados e, em outubro, o aumento no consumo de serviços públicos chegou a 19,2% na comparação com o mesmo mês em 2005. A arrecadação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) também aumentou 42,7% com relação a outubro do ano passado.
Conter o consumo dos argentinos neste momento, cinco anos após o auge da crise que se abateu sobre o país, seria uma manobra politicamente arriscada com eleições em vista. Por outro lado, não há alternativa além de conter os aumentos gerados pela alta da demanda.
A tática de fixar os preços com maior influência no IPC transforma os custos de produção desses mesmos artigos no principal elemento para determinar a vida útil da estratégia.
Para controlar preços de commodities, o governo limita as exportações e obriga à venda no mercado interno. O sistema é usado para o trigo -buscando impedir o aumento do pão- e também para a carne e o milho.
O setor agropecuário deu início ontem a uma greve de nove dias para protestar contra a política "constantemente intervencionista" do governo Kirchner. Ruralistas, que alegam prejuízos de US$ 766 milhões para o setor com o congelamento e a redução de preços, prometem fazer um "tratoraço" contra a tabela com preços de referência para os alimentos e as retenções sobre as exportações.
O plano é suspender a entrega de carne, cereais, frutas e hortaliças aos mercados e ainda bloquear estradas. Segundo o Centro de Educação do Consumidor, os cortes de carne mais consumidos podem subir 100% com o desabastecimento.
De acordo com estudo da consultoria Ecolatina, também são evidentes as limitações para avançar com os "acordos de preço" nos mercados em que operam muitos agentes, destacando aumentos importantes em serviços, sobretudo educação (21% só neste ano), além de habitação e vestuário.
Segundo Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor de macroeconomia da USP, "o controle de preços só varre a sujeira para debaixo do tapete."
Para ele, não há diferença entre congelamento total e parcial. "Não há isso de conversar com setor para não aumentar. Isso desobedece princípios básicos da macroeconomia."
O governo argentino argumenta que o controle recai sobre poucos produtos e serviços e deixa a maioria da economia livre, sem comprometer o lucro das empresas. Especialistas dizem, porém, que a insegurança gerada pela intervenção afeta as decisões de investimento.


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