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De olho na eleição, Kirchner congela preços
Governo tenta conciliar alta do consumo, refletida em crescimento recorde, com inflação baixa fazendo "acordos de preços"
Economistas e empresários criticam medida; setor agropecuário inicia greve de 9 dias para protestar contra a política "intervencionista"
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
Cinco anos após o "corralito"
financeiro, que limitou os saques bancários dos argentinos
a 250 pesos por semana e levou
a classe média a fazer panelaços
pelas ruas, a Argentina segue
seu caminho de recuperação
econômica com outra receita
heterodoxa: o congelamento de
preços de produtos específicos.
A estratégia é alvo de duras
críticas dos economistas, causa
arrepios no empresariado e revolta o setor agropecuário, que
ontem entrou em greve para
protestar contra a política econômica do presidente Néstor
Kirchner.
Para atingir dois objetivos difíceis de conciliar -manter elevados os níveis de consumo que
sustentam o crescimento econômico e conter o avanço inflacionário-, o governo usa os
chamados "acordos de preço"
para estipular desde o valor de
frutas, hortaliças, hambúrgueres e refrigerantes aos preços
das vitrines de grifes como Yves
Saint Laurent e Christian Dior.
Eleições
Com os olhos fixos nas eleições para a Casa Rosada em
2007, o presidente Kirchner
faz questão de mostrar seu envolvimento pessoal nesse controle. O marketing político funciona: a impressão que se tem,
ao ler os jornais locais ou ao assistir à TV, é a de que o presidente cuida de cada pequena
compra feita pelo consumidor
argentino.
Mais do que combater efetivamente a inflação, as medidas
diluem a percepção dela. A dona de casa quando vai ao supermercado, encontra nas prateleiras cerca de 300 artigos com
o preço congelado.
Produtos e serviços que compõem a lista dos que não podem
sofrer reajustes são exatamente os que mais têm impacto sobre o IPC (Índice de Preços ao
Consumidor), que, artificialmente, é mantido baixo.
Na semana passada, a ministra da Economia, Felisa Miceli,
completou um ano no cargo
com grande alarde sobre indicadores econômicos e sociais,
ressaltando a defesa do poder
de compra do povo argentino.
Inflação
Enquanto o governo comemora o bom desempenho do
IPC, porém, outros índices de
evolução de preços indicam
que a inflação continua bastante viva. O ICC (Índice de Custo
da Construção) e o IPI (Índice
de Preços Implícitos) crescem
bem mais do que o índice sobre
o qual se debruça o governo.
Desde maio, é contínua a aceleração nos indicadores de consumo na Argentina, sustentada
pela recuperação do emprego e
dos salários. Em setembro, foi
recorde dos últimos dois anos a
expansão das vendas nos supermercados e, em outubro, o
aumento no consumo de serviços públicos chegou a 19,2% na
comparação com o mesmo mês
em 2005. A arrecadação do IVA
(Imposto sobre Valor Agregado) também aumentou 42,7%
com relação a outubro do ano
passado.
Conter o consumo dos argentinos neste momento, cinco
anos após o auge da crise que se
abateu sobre o país, seria uma
manobra politicamente arriscada com eleições em vista. Por
outro lado, não há alternativa
além de conter os aumentos gerados pela alta da demanda.
A tática de fixar os preços
com maior influência no IPC
transforma os custos de produção desses mesmos artigos no
principal elemento para determinar a vida útil da estratégia.
Para controlar preços de
commodities, o governo limita
as exportações e obriga à venda
no mercado interno. O sistema
é usado para o trigo -buscando
impedir o aumento do pão- e
também para a carne e o milho.
O setor agropecuário deu início ontem a uma greve de nove
dias para protestar contra a política "constantemente intervencionista" do governo Kirchner. Ruralistas, que alegam
prejuízos de US$ 766 milhões
para o setor com o congelamento e a redução de preços,
prometem fazer um "tratoraço" contra a tabela com preços
de referência para os alimentos
e as retenções sobre as exportações.
O plano é suspender a entrega de carne, cereais, frutas e
hortaliças aos mercados e ainda bloquear estradas. Segundo
o Centro de Educação do Consumidor, os cortes de carne
mais consumidos podem subir
100% com o desabastecimento.
De acordo com estudo da
consultoria Ecolatina, também
são evidentes as limitações para avançar com os "acordos de
preço" nos mercados em que
operam muitos agentes, destacando aumentos importantes
em serviços, sobretudo educação (21% só neste ano), além de
habitação e vestuário.
Segundo Carlos Eduardo
Soares Gonçalves, professor de
macroeconomia da USP, "o
controle de preços só varre a
sujeira para debaixo do tapete."
Para ele, não há diferença entre congelamento total e parcial. "Não há isso de conversar
com setor para não aumentar.
Isso desobedece princípios básicos da macroeconomia."
O governo argentino argumenta que o controle recai sobre poucos produtos e serviços
e deixa a maioria da economia
livre, sem comprometer o lucro
das empresas. Especialistas dizem, porém, que a insegurança
gerada pela intervenção afeta
as decisões de investimento.
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