São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

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DESVENDANDO 2009

Modernizando o multilateralismo

ROBERT B. ZOELLICK
EM WASHINGTON

O ANO de 2008 será lembrado como de extraordinário tumulto. A crise financeira surgiu nos calcanhares das crises nos alimentos e nos combustíveis.
Agora, o mundo está em meio a uma crise econômica que redundará em muitas perdas de emprego. País algum escapou incólume. Estamos entrando em uma nova zona de perigo, com riscos acentuados para a exportação e o investimento, para o crédito, os sistemas bancários, os orçamentos e os balanços de pagamentos. Em 2009 poderemos ver o primeiro declínio no comércio mundial desde 1982. Como sempre, os pobres são os mais indefesos. Para os países em desenvolvimento, as condições de crédito mais severas e o crescimento muito mais fraco significarão que os governos serão menos capazes de atender às metas de educação e saúde e de investir na infraestrutura necessária a sustentar o crescimento.
Até o momento, 100 milhões de pessoas já foram lançadas à pobreza como resultado dos preços altos da comida e dos combustíveis, e as estimativas correntes sugerem que cada declínio de 1% no ritmo de crescimento dos países em desenvolvimento representa mais 20 milhões de pessoas na pobreza.
Os países estão tentando pôr fim ao congelamento do crédito, escorar as instituições financeiras, reduzir as taxas de juros, reforçar as redes de segurança e reanimar o consumo e o investimento para estimular os negócios, permitir que as pessoas trabalhem e firmar as fundações do futuro crescimento.
Essas medidas serão mais efetivas se os países agirem de modo coordenado, apoiando-se mutuamente. O nacionalismo econômico que procura extrair vantagem da desvantagem alheia deflagrará perigos ainda maiores. Desafios mundiais pedem soluções mundiais.
Em outubro, eu apelei pela modernização do multilateralismo e dos mercados, a fim de que reflitam melhor as mudanças na economia mundial e permitam que os países ajam de maneira coordenada a fim de enfrentar problemas interconectados. Para que possamos ir além do velho sistema do Grupo dos 7 (G7), é preciso uma abordagem do século 21 para o multilateralismo, por meio do dinamismo propiciado por uma rede flexível, e não de novas hierarquias e de um sistema fixo ou estático.
O novo multilateralismo deve maximizar as vantagens dos agentes e instituições sobrepostos e interdependentes, tanto públicos quanto privados. Deve ir além da concentração tradicional nas finanças e comércio externo e incluir outras questões econômicas e políticas prementes: desenvolvimento, energia, alterações climáticas e estabilização dos Estados frágeis e daqueles que estão saindo de períodos de conflito. É preciso aproximar as instituições internacionais existentes, com seus conhecimentos e seus recursos, para reformá-las quando necessário, e encorajar cooperação efetiva e ação coordenada.
O multilateralismo, em sua melhor forma, é um meio de resolver problemas entre países, e o grupo que participa das discussões deve estar disposto a tomar medidas construtivas em conjunto. É preciso que sua força -e sua legitimidade- sejam extraídas de uma participação mais ampla e de resultados mais concretos. A conferência de cúpula do G20 realizada em novembro levou à mesa pela primeira vez as potências ascendentes como participantes ativos na solução da crise financeira mundial. Elas concordaram quanto a uma agenda positiva, mas o verdadeiro teste será determinar se as medidas discutidas serão implementadas. É um passo positivo que os líderes das grandes economias desenvolvidas agora estejam se reunindo com os líderes das potências econômicas ascendentes. Mas os países em desenvolvimento mais pobres não devem ser excluídos. Não resolveremos a atual crise, ou colocaremos em ação soluções de longo prazo sustentáveis, se aceitarmos um mundo em dois níveis. O objetivo deve ser o de construir uma globalização inclusiva e sustentável.
Trilhões de dólares vem sendo gastos nos resgates financeiros nos países desenvolvidos. Em comparação, cerca de US$ 100 bilhões anuais são investidos agora em assistência internacional. Precisamos de um resgate "humano" tanto quanto de um resgate financeiro. Nesse ambiente, um compromisso mundial de fornecer assistência ao desenvolvimento dos países mais pobres deve ter a primazia.
No Banco Mundial, estamos ampliando nosso apoio financeiro aos mais necessitados.
Estamos acelerando a concessão de verbas e empréstimos de longo prazo e juro zero aos 78 países mais pobres do mundo, metade deles na África. Os doadores no ano passado prometeram US$ 42 bilhões em três anos para o fundo que o Banco Mundial constituiu para esses países, a Associação Internacional de Desenvolvimento.
Esse dinheiro é vital se queremos cumprir as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Além disso, a divisão de empréstimos aos países em desenvolvimento do Banco, o Bird (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento), pode assumir novos compromissos de financiamento da ordem de mais de US$ 35 bilhões neste ano -quase o triplo do ano passado- e de até US$ 100 bilhões ao ano nos próximos três anos.
O aumento foi calculado para proteger os mais pobres e vulneráveis contra danos, para apoiar os países que enfrentam problemas de captação devido ao colapso dos mercados de crédito e para ajudar a sustentar investimentos dos quais dependem a recuperação e o desenvolvimento em longo prazo. Nossa divisão de financiamento ao setor privado, a International Finance Corporation (IFC), está lançando ou expandindo três linhas de crédito, que devem atingir os US$ 30 bilhões nos três próximos anos.
Elas tratarão de problemas de alta prioridade surgidos nos últimos meses: expandir o financiamento ao comércio, recapitalizar os bancos dos países mais pobres e sustentar o investimento em infraestrutura ao ajudar projetos viáveis sujeitos à crise de liquidez. Ao mesmo tempo, manteremos nossos esforços de combate à subnutrição e à fome e forneceremos energia aos pobres.
Nossos Fundos de Investimento Climático, recentemente lançados no valor de US$ 6 bilhões, construirão experiência prática com tecnologias, reflorestamento e adaptação para apoiar as negociações das Nações Unidas quanto às alterações climáticas e auxiliar os países em desenvolvimento.
Enquanto o mundo luta para sair do buraco financeiro e econômico em que caiu, precisamos pensar no futuro. As crises atuais refletem a velocidade assustadora do mundo interconectado. Os fatores que produzem a globalização oferecem excelentes oportunidades de superar a pobreza, ampliar as oportunidades e abrir sociedades. Mas precisamos de um novo multilateralismo que expanda esses benefícios a todos.


ROBERT ZOELLICK é o presidente do Banco Mundial. Este artigo foi distribuído pelo PROJECT SYNDICATE.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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