São Paulo, terça, 5 de janeiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA

1999 - O ano da produção

BENJAMIN STEINBRUCH

O réveillon de nossa política e de nossa economia não foi marcado por festas à beira-mar, flores, velas, fogos e cascatas de luzes que, mais uma vez, enfeitaram o litoral e iluminaram as margens dos rios, lagos e açudes pelo Brasil afora. A televisão trouxe o retrato das festas, dos eventos e da alegria das ruas e das casas em que crianças, adultos, gente de todas as idades viravam a página do Ano Velho e, mais uma vez, apostavam na esperança do Ano Novo na reta final a caminho do novo século.
Na contagem regressiva das horas, minutos e segundos, não havia espaço para as aflições da crise econômica, o preço do ajuste fiscal, os juros estratosféricos, os problemas do emprego, as consequências de uma retração econômica que parecia impossível de ocorrer mas já bateu às nossas portas antes mesmo do Ano Novo.
As pesquisas da grande mídia e as análises e entrevistas publicadas não deixam dúvida: o brasileiro está consciente da crise, sabe que ela chegou e é séria. Mas, mesmo assim, não deu direito à crise de lhe destruir a esperança, de lhe soterrar o otimismo ou de lhe roubar a fé e a confiança no futuro que devia ser manifestada, com o entusiasmo tradicional, nas comemorações da virada do ano.
Mal passaram os ponteiros da meia-noite e já estávamos todos nós caindo na real, ao ver as imagens de governadores que assumiam nas primeiras horas do dia para que pudessem voar para Brasília em tempo de participar da posse do primeiro presidente da República reeleito na história brasileira.
As cerimônias foram espartanas, nem de longe lembrando o clima de vitória e a participação popular que marcaram a capital em 1995. O desfile de carros fechados, o aparente desinteresse do povo, as expressões frias e sem brilho das autoridades mostravam um Brasil diferente do que, horas antes, enfeitara a virada de ano com sorrisos e fogos de artifício. Os discursos previsíveis e os juramentos protocolares foram inseridos em uma liturgia simples em que não faltou o simbolismo da subida da rampa do Palácio e a exibição da faixa verde-e-amarela que precedeu as assinaturas de três dezenas de posses ministeriais.
O conjunto de eventos, da sessão especial do Congresso até a solenidade e o coquetel no Palácio do Planalto e o jantar quase íntimo no Palácio da Alvorada, chegou às casas dos brasileiros sem surpresas ou imprevistos. Um amigo que me descreveu as cenas mostrou-se impressionado especialmente pela foto da equipe presidencial, agora ampliada e renovada para fazer face às duras realidades do segundo mandato. E disse: "Olha, Benjamin, aquela gente toda, sorrindo tão pouco, deve ter levado os brasileiros a muita reflexão".
A jornalista Sonia Racy lembrou, neste domingo, que a nossa economia já representa 42% do PIB da América Latina e mais de 13,3% do Produto Interno Bruto dos países em desenvolvimento, incluindo a China. Temos, pois, de avançar. A modernização dos últimos anos, as vitórias inequívocas do Plano Real e os estímulos representados por um dos maiores mercados de consumo do mundo não podem ser desperdiçados.
A ponte a atravessar é estreita e de difícil superação. Os compromissos assumidos com as principais instituições financeiras mundiais não foram um gesto fortuito, como ficou dramaticamente visível nas providências emergenciais decretadas nos últimos dias do ano e que promoveram aumentos de impostos e outras medidas duras para que o Brasil possa compensar as perdas da CPMF e iniciar este ano cumprindo o prometido. Só assim pavimentaremos uma avenida de confiança -dentro e fora do Brasil-, sem a qual será impossível a baixa significativa e constante dos juros e a implementação acelerada de medidas destinadas a promover e ampliar a produção nacional, visando o mercado doméstico e a exportação.
Não basta equilibrar receitas e despesas oficiais, garrotear o empreguismo federal, estadual e municipal, pôr um paradeiro nos artifícios a que os burocratas recorrem para corrigir seus descompassos administrativos. Será necessário produzir. Estimular a geração de riquezas pelas empresas de todos os tamanhos. Desonerar os capitais e os empreendedores que investem em atividades produtivas, lançam novos bens e serviços, aprimoram suas condições de competição, promovem elevação de qualidade, asseguram empregos e valorizam salários.
Só pela produção sairemos do atoleiro em que nos metemos por falhas internas ou pelos temporais internacionais. É por isso que 1999, ano da solução da crise, precisa ser marcado, em todos os quadrantes do país, como o Ano da Produção. Para que as solenidades oficiais e oficiosas, e não apenas os fogos de artifício, marquem o início do ano 2000, daqui a 12 meses, com as novas cores de um otimismo firme e realista que há de reunir todos os brasileiros.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional, da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br




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