São Paulo, terça, 5 de janeiro de 1999

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ARTIGO

Ai dos minoritários!

ROBERTO MOREIRA LIMA

Sob o pretexto de fortalecer o Programa Nacional de Privatizações, o Congresso aprovou e o presidente da República sancionou, no ano passado, alterações da Lei das Sociedades Anônimas. Com essa medida, a reforma patrimonial do Estado avançou, mas o mercado de capitais recuou. Pelas novas regras de funcionamento das S/As no país, governo e controladores de empresas públicas e privadas ganham, acionistas minoritários perdem. A ruína do pequeno investidor foi decretada.
O caso da Telebrás não deixa margem a dúvidas. Mais um elo da presença estatal na economia se rompeu, porém à custa dos subscritores de 85% das ações da companhia. Cerca de 5 milhões de pessoas foram excluídas do processo de venda e, subordinadas às decisões do detentor de apenas 15% dos papéis, tiveram anulados direitos e prerrogativas, estando agora na iminência de sofrer novo confisco.
Vítima do dispositivo legal que lhe nega o retorno do investimento feito pelo valor patrimonial -no instante da cisão ou liquidação da firma-, o acionista minoritário depende hoje da criação de um valor econômico, a ser determinado somente a partir da avaliação financeira. O acesso à oferta pública lhe foi sonegado. A nova lei cassou-lhe a possibilidade de recesso ao preço definido para os leilões, mas assegurou-a ao governo.
Não bastasse isso tudo, o minoritário pode ainda vir a ser expropriado, anualmente e até 2005. Trata-se da cobrança de uma taxa de administração ou remuneração da transferência de tecnologia, calculada sobre a receita operacional e incluída nos contratos de concessão firmados com a Anatel. Embora legal, o expediente dá motivo a preocupações generalizadas.
Para a Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais (Abamec), o "atendimento à demanda reprimida existente na região de atuação das empresas, associado a uma administração mais eficiente e à utilização de tecnologia moderna, deverá gerar retorno rápido e substancial do investimento efetuado pelos novos majoritários, sem a necessidade de confiscar parcelas dos ganhos minoritários". Desse alerta, a Abamec passou ao protesto, na CVM e na Anatel, "contra os efeitos negativos dessas práticas" nada transparentes.
Se os acionistas minoritários pudessem opinar e votar, o custo das privatizações cairia, enquanto o montante arrecadado em cada transação aumentaria. A participação deles na administração das empresas tornaria supérfluos gastos com avaliações, auditorias e leilões. O controle exercido pelos sócios descontentes fortalece a meta da eficiência, que, nos setores público ou privado, admite apenas a existência do administrador bem-sucedido e a do ex-diretor.
Ao reconhecer dois tipos de acionista, o votante e o não-votante, a Lei das Sociedades Anônimas assumiu a mentalidade elitista, arrogante e discricionária de épocas passadas da nossa história. A opção atingiu a própria razão de ser das ações preferenciais: a antecedência na distribuição de dividendos -letra morta entre nós, pois quem manda e desmanda, faz e desfaz, no solo ou a bordo de jatinhos executivos de milhões de dólares, é a minoria portadora de ações ordinárias.
Nos estados Unidos, os pequenos investidores são responsáveis por 95% do movimento das Bolsas. No Brasil, esse percentual não atinge 5%. O importante dessa diferença abissal se observa na diferença, também abissal, entre os níveis de poupança interna dos dois países. Cada vez mais carentes de pequenos poupadores, avançamos no terreno pantanoso da dependência de capitais externos de investimento.
Cabe aos nossos governantes fazer as relações empresariais brasileiras avançarem. O reconhecimento de que o Brasil deve adaptar-se à escassez crescente de recursos externos impõe a pulverização dos investimentos. Até lá, os minoritários continuarão denunciando a omissão dos Poderes Legislativo e Executivo. Continuarão apelando à Justiça e esperando que, dos tribunais, ressurja a figura do cônsul Camilo para vingar a afronta de Breno, o gaulês que, há 2.388 anos, conquistou Roma e, diante da indignação dos espoliados pelo tributo exigido, desdenhou: "Ai dos vencidos!".


Roberto Moreira Lima, 60, advogado, especialista em direito empresarial, tributário e societário, é titular do Escritório Moreira Lima, Advogados Associados de São Paulo.



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