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BENJAMIN STEINBRUCH
Novela da carne
Os europeus não têm
como competir com a carne brasileira. Por isso, adotam medidas protecionistas
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QUANTO CUSTA um quilo de filé
mignon? Depende. Em um
luxuoso açougue de Londres,
esse corte bovino nobre era vendido
na semana passada por 22,95 libras
se a origem fosse escocesa e por
21,60 libras se fosse inglesa. Com a
libra a R$ 3,52, o londrino pagava o
equivalente a R$ 80 para levar para
casa um quilo de filé.
No Brasil, em pleno Carnaval,
quem procurou um bifinho no supermercado pagou muito mais barato. Uma grande rede oferecia o filé
a R$ 19,90 o quilo. Outra rede menor, em superoferta, cobrava R$ 15.
Essa diferença de preço explica
por que o Brasil se tornou o maior
exportador mundial de carne bovina, com receita de US$ 4,4 bilhões
em 2007. Os europeus não têm como competir com a carne brasileira,
nem em qualidade nem em preço.
Por isso, adotam medidas protecionistas.
Na semana passada, deu-se mais
um capítulo dessa novela da carne.
Para quem não acompanhou, vale a
pena entender o que se passa. No
ano passado, a UE (União Européia)
enviou ao Brasil uma missão de técnicos para inspecionar fazendas
produtoras de gado e avaliar suas
condições sanitárias. Ao deixar o
país, os técnicos disseram que apenas 300 fazendas, de um total de 10
mil que criam gado de exportação,
tinham condições para fornecer carne à Europa. Mas pediram ao governo brasileiro que fizesse sua própria
lista de fazendas aptas a exportar.
Na semana passada, o Ministério da
Agricultura entregou à UE uma relação de 2.681 propriedades aprovadas. Porém, a UE rejeitou essa lista,
levando em conta não a sanidade da
carne, mas um critério de rastreabilidade do gado, criado para combater a vaca louca na Europa, doença
inexistente no Brasil. Insistindo no
número de 300 fazendas, a UE suspendeu as importações de carne bovina brasileira.
Não dá para prever como acabará
essa novela, se com uma queixa brasileira na OMC ou com um acordo.
O fato é que, sob pressão de pecuaristas irlandeses, com critérios mais
políticos do que técnicos, a UE adotou medidas claramente protecionistas e levantou falsas dúvidas sobre a qualidade da carne brasileira.
Esse caso é exemplar no atual momento da economia global, ameaçada pela provável recessão americana. Ser fornecedor mundial de produtos agropecuários, neste momento, é um trunfo. O economista-chefe
do FMI, Simon Johnson, ao prever o
desaquecimento global, disse que as
economias produtoras de commodities, como a brasileira, têm boas
condições para atravessar a crise
que vem aí. Por duas razões. Primeiro, porque a demanda atual de alimentos não deverá sofrer muita retração, uma vez que vem sendo puxada não por compras americanas, e
sim pela incorporação de largas camadas de população chinesa. Segundo, porque a tendência mundial de
aumento do uso de biocombustíveis
deverá sustentar os preços das principais commodities agrícolas.
O economista do FMI só não considerou fatores políticos desse cenário, como o protecionismo europeu.
É provável até que a queda de exportações brasileiras de carnes decorrente das restrições européias seja
em parte compensada pelo crescimento das vendas para mercados
emergentes. Mas, de imediato, haverá perdas para produtores e para o
país. Nossa vingança é que, para os
europeus, a seqüela principal desse
caso deve ser a elevação das já alucinantes cotações da carne na UE. Na
semana passada, os preços já estavam em alta, com o bifinho do londrino se aproximando de R$ 100 o
quilo no açougue.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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