São Paulo, terça-feira, 05 de fevereiro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Novela da carne


Os europeus não têm como competir com a carne brasileira. Por isso, adotam medidas protecionistas

QUANTO CUSTA um quilo de filé mignon? Depende. Em um luxuoso açougue de Londres, esse corte bovino nobre era vendido na semana passada por 22,95 libras se a origem fosse escocesa e por 21,60 libras se fosse inglesa. Com a libra a R$ 3,52, o londrino pagava o equivalente a R$ 80 para levar para casa um quilo de filé.
No Brasil, em pleno Carnaval, quem procurou um bifinho no supermercado pagou muito mais barato. Uma grande rede oferecia o filé a R$ 19,90 o quilo. Outra rede menor, em superoferta, cobrava R$ 15.
Essa diferença de preço explica por que o Brasil se tornou o maior exportador mundial de carne bovina, com receita de US$ 4,4 bilhões em 2007. Os europeus não têm como competir com a carne brasileira, nem em qualidade nem em preço. Por isso, adotam medidas protecionistas.
Na semana passada, deu-se mais um capítulo dessa novela da carne. Para quem não acompanhou, vale a pena entender o que se passa. No ano passado, a UE (União Européia) enviou ao Brasil uma missão de técnicos para inspecionar fazendas produtoras de gado e avaliar suas condições sanitárias. Ao deixar o país, os técnicos disseram que apenas 300 fazendas, de um total de 10 mil que criam gado de exportação, tinham condições para fornecer carne à Europa. Mas pediram ao governo brasileiro que fizesse sua própria lista de fazendas aptas a exportar. Na semana passada, o Ministério da Agricultura entregou à UE uma relação de 2.681 propriedades aprovadas. Porém, a UE rejeitou essa lista, levando em conta não a sanidade da carne, mas um critério de rastreabilidade do gado, criado para combater a vaca louca na Europa, doença inexistente no Brasil. Insistindo no número de 300 fazendas, a UE suspendeu as importações de carne bovina brasileira.
Não dá para prever como acabará essa novela, se com uma queixa brasileira na OMC ou com um acordo. O fato é que, sob pressão de pecuaristas irlandeses, com critérios mais políticos do que técnicos, a UE adotou medidas claramente protecionistas e levantou falsas dúvidas sobre a qualidade da carne brasileira.
Esse caso é exemplar no atual momento da economia global, ameaçada pela provável recessão americana. Ser fornecedor mundial de produtos agropecuários, neste momento, é um trunfo. O economista-chefe do FMI, Simon Johnson, ao prever o desaquecimento global, disse que as economias produtoras de commodities, como a brasileira, têm boas condições para atravessar a crise que vem aí. Por duas razões. Primeiro, porque a demanda atual de alimentos não deverá sofrer muita retração, uma vez que vem sendo puxada não por compras americanas, e sim pela incorporação de largas camadas de população chinesa. Segundo, porque a tendência mundial de aumento do uso de biocombustíveis deverá sustentar os preços das principais commodities agrícolas.
O economista do FMI só não considerou fatores políticos desse cenário, como o protecionismo europeu. É provável até que a queda de exportações brasileiras de carnes decorrente das restrições européias seja em parte compensada pelo crescimento das vendas para mercados emergentes. Mas, de imediato, haverá perdas para produtores e para o país. Nossa vingança é que, para os europeus, a seqüela principal desse caso deve ser a elevação das já alucinantes cotações da carne na UE. Na semana passada, os preços já estavam em alta, com o bifinho do londrino se aproximando de R$ 100 o quilo no açougue.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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