São Paulo, sexta-feira, 05 de fevereiro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Abutres bicam os gregos


Especulação sobre calote do governo da Grécia encarece crédito na Europa e derruba mercado no Brasil e no mundo


OS GREGOS fizeram anteontem oferendas no altar rachado da estabilidade financeira europeia, sacrifícios que incluem uma hecatombe nos gastos com salários, saúde e aposentadorias, um corte de despesas para levar o deficit público grego de 12,7% do PIB para 8,7% até o final do ano, uma brutalidade. O país deve entrar, pois, num programa à moda do FMI, sob o tacão da União Europeia. Mas a promessa de imolação grega por enquanto não colou. Parece difícil de acreditar, mas é o terremoto no Tesouro grego que move as placas tectônicas dos investimentos e derruba os mercados, até aqui no Brasil.
Como diz o jargão, o mercado está "colocando nos preços" o risco de um calote grego. Como os deficit e as dívidas de Portugal e Espanha são também imensos, os países ibéricos também levam chumbo grego. Como pano de fundo, há a conversa de governos e BC europeus de que a torrente de dinheiro liberado no auge da crise de 2008-09 vai começar a secar. Uma baixa na liquidez, uma seca de dinheiro, tende a matar de sede os mais sedentos, como os gregos. E um país ferido sempre atrai investidores abutres.
Na prática, isso quer dizer que os investidores cobram mais caro para financiar governos europeus, os periféricos em particular -isso quando se dispõem a comprar os títulos. A alta do risco de calote encarece o custo de seguro contra a inadimplência de governos e empresas europeus. Juros e câmbio mais voláteis e seguros mais caros implicam (e refletem) riscos maiores. Em decorrência, juros sobem e cai a liquidez.
No momento, investidores vendem o que cheira a risco. O euro, micado pelo risco da dívida dos governos de sua zona, caiu dos US$ 1,51 de dezembro para US$ 1,37 ontem. Quem especula com moedas e juros recolhe suas posições: vende moedas mais fracas com juros altos, como a do Brasil, e compra dólares e ienes.
Como o clima ruim derruba o otimismo sobre a recuperação econômica, caem também as commodities, além de moedas e outros ativos de países que são grandes exportadores desses bens (Brasil, de novo, entre outros). O barril de petróleo caiu ontem mais de 5%, o que talhou o preço das ações da Petrobras. Um relatório do banco alemão Commerzbank comparava ontem o tamanho da dívida grega com a do falido Lehman Brothers: quase o triplo, US$ 406 bilhões ante US$ 140 bilhões. Isso não quer dizer que no caso ainda "impensável" de calote, a Grécia renegaria toda a sua dívida.
Mas um calote reduziria a "nota" e o valor dos papéis gregos. Bancos credores teriam de dar baixa equivalente em seus balanços, mais rombos contábeis em instituições ainda mal das pernas. Em suma, um calote grego seria um desastre para a finança e para o euro.
Logo, na hipótese de o governo grego não arrochar o país o bastante para pagar suas contas e restaurar a credibilidade, é razoável acreditar que a União Europeia cubra o rombo. O próximo passo é saber se os gregos vão aceitar o arrocho. O país está tenso desde 2008. Os gregos elegeram os socialistas pensando que a vida seria menos dura. Para esta semana, já estão marcados protestos e greves gerais no país. O governo quer aprovar o arrocho até março no Parlamento.

vinit@uol.com.br


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