São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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COMÉRCIO EXTERIOR

Crise no vizinho atrasa negociações de livre comércio entre blocos; demora frusta empresários europeus

Argentina emperra acordo Mercosul-Europa

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A crise argentina já fez mais uma vítima, fora das fronteiras do país: acabou sendo a principal causa para que não haja avanços significativos na negociação entre o Mercosul e a UE (União Européia) para a constituição de uma área de livre comércio entre os dois blocos.
A expectativa de progresso nas negociações estava dada pelo fato de que, no dia 17, haverá em Madri uma reunião de cúpula entre os 15 países da UE e os quatro do Mercosul. Cúpulas, em geral, funcionam como estímulo para avanços em negociações comerciais. Não será assim.
"Não vai haver um choque de liberalização", chega até a exagerar o embaixador José Alfredo Graça Lima, prestes a assumir oficialmente a representação brasileira na UE, em Bruxelas.
"Os dois lados concordaram que o momento não era o mais propício para uma revisão das ofertas", diz o embaixador Clodoaldo Hugueney, antecessor de Graça Lima e, agora, uma espécie de negociador-chefe do governo para assuntos comerciais.
Hugueney está se referindo às ofertas de liberalização comercial que as duas partes puseram sobre a mesa no ano passado. Ambas são consideradas modestíssimas, em especial a do Mercosul.
Aí é que começa a entrar a crise argentina. Os argentinos já estavam em crise no momento em que deveria ser apresentada a proposta do Mercosul, em outubro, depois que os europeus lançaram a sua em julho.
"Desde outubro, é difícil atrair a atenção deles [os argentinos" para esse tema", depõe Sandra Rios, assessora para assuntos internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria), com a experiência de quem ajuda a montar os encontros entre empresários dos blocos, o Fórum Empresarial Mercosul-União Européia.
De outubro para cá, a crise argentina só fez agravar-se e dispersou de uma vez a atenção tanto do governo como dos empresários do país vizinho.
"Está tudo parado por causa da Argentina", chega a dizer o empresário Michel Alaby, vice-presidente executivo da Associação de Empresários Brasileiros para a Integração com o Mercosul.
Alaby refere-se não só às negociações com a Europa, mas também com Chile, México e África do Sul.
O conjunto do empresariado expressa inquietação parecida. Diz o texto preparado pelos empresários europeus para o encontro de Madri com seus colegas do Mercosul, nos dias 15 e 16: "A Argentina está experimentando uma significativa crise econômica. O fórum empresarial está muito preocupado com suas consequências".
Tão preocupado que os executivos europeus sugerem à Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 15 países, que "considere a aceleração da abertura de seus mercados para produtos argentinos".

Cavallo de fora
No âmbito diplomático, no entanto, a visão é menos apocalíptica. Clodoaldo Hugueney, por exemplo, consegue ver até progressos na Argentina, no que se refere ao Mercosul. "É claro que a crise atrapalhou. Mas, talvez, a gestão Cavallo atrapalhasse mais, com os ataques sucessivos ao Brasil, do que a situação atual, em que a realidade é mais difícil, mas há um claro compromisso com o Mercosul", diz o diplomata.
Reforça Stefano Gatto, responsável pelo comércio na delegação da UE em Brasília. "A crise argentina condicionou os tempos da negociação, mas as ambições não mudaram. O Mercosul deixou de ser fundamental para a UE? Com certeza, não. A crise argentina não é um prejuízo nem definitivo nem significativo", afirma.
A frase de Gatto dá a pista para o que haverá de mais importante na cúpula de Madri: a reafirmação do compromisso político das partes de constituírem uma zona de livre comércio e a exaltação dos "consideráveis progressos" rumo a um entendimento.
Não é exatamente a visão que tem o empresariado europeu. O documento por eles preparado queixa-se: "Em dezembro de 1995, o objetivo de criar uma área de livre comércio foi acordado pelas duas regiões; hoje, mais de seis anos depois, a criação de uma área de livre comércio entre as duas partes não está ainda perto de ser alcançada".
Em todo o caso, os diplomatas vão negociar, antes de que os presidentes e primeiros-ministros se encontrem, no dia 17, dois temas políticos principais:
1) Fixar uma data para a conclusão das negociações. O Mercosul insiste nisso e cita o "paralelismo" com as datas da Área de Livre Comércio das Américas e da rodada de negociações comerciais definida em Doha (ambas 2005). Os europeus hesitam, porque temem que a data anunciada não seja cumprida, enfraquecendo a negociação.
2) Convocar uma reunião ministerial, provavelmente no Brasil, para "concluir a fase inicial da negociação e dar instruções para a fase seguinte", como explica Clodoaldo Hugueney. Mas só haverá a ministerial se for possível dar substância a ela, além de enviar o sinal político e o sentido de urgência que empresários cobram.
Os europeus não só se dizem preocupados com "o pouco progresso alcançado até agora", como manifestam o temor de que a negociação possa perder "o ímpeto e a prioridade política".


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