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DESVIO DE FUNÇÃO
Para TST, "quem está empregado não procura seus direitos, pois as relações de emprego são precárias"
Justiça do Trabalho só atende desempregado
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Justiça do Trabalho, criada no
Brasil na década de 40 para resolver conflitos entre patrões e empregados, se transformou na Justiça dos desempregados.
Pelo menos 80% dos processos
que chegam às mãos dos juízes
trabalhistas -quase 2 milhões
por ano- são movidos por quem
está sem emprego, informa levantamento recente do TST (Tribunal Superior do Trabalho). No caso dos outros 20%, boa parte das
ações é contra ex-patrões.
Em vez de intermediar impasses
entre empregado e empregador
enquanto o contrato de trabalho
está em vigor, o trabalhador recorre à Justiça só após romper o
vínculo de emprego. Até porque,
se correr atrás dos seus direitos
antes, ele é demitido.
O fato de a Justiça ser acionada
quase que exclusivamente por desempregados será tema de debate
na reforma trabalhista que o governo Lula quer realizar. Existe
uma polêmica entre os especialistas sobre o papel da Justiça.
Desemprego recorde, falta de
fiscalização para o cumprimento
de leis trabalhistas, boicote das
empresas para contratar quem recorre à Justiça e o fim da estabilidade no emprego, com a criação
do FGTS (Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço), explicam, na
opinião de especialistas, a procura
da Justiça por desempregados.
Precarização do emprego
"Quem está empregado não
procura os seus direitos na Justiça
porque as relações de emprego estão cada vez mais precárias", afirma o ministro Francisco Fausto,
presidente do TST. A precarização no emprego, diz, é resultado
da globalização da economia e da
reestruturação das empresas, que
enxugaram custos, automatizaram a produção e cortaram vagas.
O trabalhador também teme ir à
Justiça porque existe no país uma
cultura de represália aos que buscam seus direitos, afirma Hugo
Melo Filho, presidente Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). A
lista negra -documento que circula entre as empresas para identificar se o trabalhador recorreu à
Justiça-, diz, é prova disso.
"Quando a empresa não participa do esquema de lista negra, exige, na hora de contratar, certidão
negativa para que o trabalhador
prove que não está movendo ação
contra outro empregador. Essa é a
realidade no país hoje", afirma.
O Brasil é recordista mundial
em processos trabalhistas, segundo levantamento recente do Banco Mundial. Enquanto no Brasil
são movidos cerca de 2 milhões
de processos trabalhistas por ano,
nos Estados Unidos esse número
não passa de 75 mil. No Japão, a
média é de 2.500 ações por ano.
Legislação complexa
"Isso acontece também porque
a legislação trabalhista é muito
complexa. Às vezes, por mais organizado que seja um departamento pessoal de uma empresa,
ele comete erros devido à minuciosidade da lei", diz Valério Augusto do Carmo, diretor-geral de
coordenação judiciária do TST.
Na sua análise, o volume de processos trabalhistas também varia
de acordo com o desempenho da
economia brasileira. Quando o
país vai bem, o trabalhador reclama menos, até porque ele tem
mais chance de estar empregado.
Quando vai mal, a procura pela
Justiça do Trabalho aumenta.
Para o professor da USP José
Pastore, a lei trabalhista, além de
"velha e detalhista", limita o espaço de negociação entre patrões e
empregados. Na sua avaliação, o
que é acertado entre as partes não
dá "encrenca".
"As comissões de conciliação
são um instrumento valioso para
resolver pendências trabalhistas e
desafogar a Justiça do Trabalho. O
problema é que o modelo criado
no Brasil abre brechas para os que
querem agir de má-fé", diz Hugo
Melo, da Anamatra. A associação
apresentou projeto na Câmara
para modificar essas comissões e
evitar que o trabalhador seja lesado nas negociações.
Juízes e advogados consultados
pela Folha entendem que a Justiça do Trabalho chega a ser um
bom negócio para as empresas.
"Isso porque, quando elas deixam
de pagar o direito de um trabalhador e ele recorre à Justiça, a taxa
de juros que incide sobre o débito
trabalhista é de apenas 1% ao mês.
É melhor para a empresa, portanto, aplicar o dinheiro que tem a
pagar para o empregado no mercado financeiro e aguardar decisão da Justiça", diz Vantuil Abdala, vice-presidente do TST.
Como os processos são demorados -se arrastam por anos-,
as empresas acabam quitando o
débito trabalhista após ter ganho
no mercado financeiro com o dinheiro do trabalhador. Tanto que
o TST já tem quase pronto um anteprojeto de lei que estabelece juros mais altos sobre os débitos
trabalhistas. A proposta é que essa
taxa seja equiparada à da Justiça
comum (taxa Selic).
Para os mesmos especialistas, a
Justiça do Trabalho é ao mesmo
tempo fundamental para garantir
os direitos dos trabalhadores.
"Essa Justiça é gratuita e o empregado pode recorrer a ela independentemente de advogado. Cerca
de 60% dos processos ajuizados
são resolvidos em até 30 dias após
a abertura do processo pelo trabalhador", diz Abdala.
Para consertar as distorções do
sistema da Justiça trabalhista, segundo ele, o país precisa de uma
lei que estabeleça a garantia de
emprego, que autorize o sindicato
de categorias a reclamar na Justiça
em nome dos trabalhadores, que
estipule juros maiores sobre os
débitos dos trabalhadores e que
puna o empregador que descumprir suas obrigações trabalhistas.
"Isso reduziria significativamente
o volume de processos."
Outra medida que pode diminuir o número de reclamações
trabalhistas, diz, é o aumento de
40 para 200 salários mínimos para
que uma ação seja resolvida apenas na primeira instância. "Não
faz sentido uma ação que trate de
débitos inferiores a 200 salários
mínimos ir para o TST", afirma.
Em estudo recente, Pastore afirma que, quando a Justiça do Trabalho julga um processo, acaba
gastando mais do que devolve ao
trabalhador. Segundo ele, no Fórum Nacional do Trabalho, que
vai discutir a reforma trabalhista,
a sociedade terá de decidir se quer
acabar ou não com a legislação
trabalhista que "fabrica" conflitos
e é cara para o país.
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