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ANÁLISE
Em jogo de cena, solução de crise passa longe
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A reunião em Puerto Iguazú
serviu para quase nada, exceto talvez demarcar as diferenças
de interesses na mesa. Sobressaiu-se, como sempre, a colorida e cada vez menos folclórica retórica
do venezuelano Hugo Chávez.
A nota do encontro é uma coleção de obviedades. Um blablablá
sobre a soberania boliviana e o direito de La Paz de ser dona de seus
hidrocarbonetos, como se alguém
houvesse colocado isso em dúvida. Sobre o que interessa, nenhuma palavra sobre a expropriação
dos bens e uma evasiva sobre a
questão dos preços.
Coube a Néstor Kirchner o papel do pragmático, ao citar garantia do suprimento de gás, outra
obviedade pelo menos até o cumprimento do prazo para o acerto
entre as partes.
De resto, um jogo de cena sobre
a necessidade da integração latino-americana, quando na verdade Chávez quer a "sua" integração, "bolivariana", a Argentina
busca cuidar dos seus problemas
e o Brasil não concilia retórica
com prática de governo.
É citada também a aceleração
do projeto do tal gasoduto regional, obra carregada de tintas surreais. Quem precisa mesmo do
gás da Venezuela abaixo do Pará?
Lula, por sua vez, foi tênue ao
comentar a categórica afirmação
do presidente da Petrobras, José
Sérgio Gabrielli, de que não faria
novos investimentos na Bolívia. A
impressão é de que ou um, ou outro, estão enrolando a platéia.
O "deixa-disso" tem sido a tônica do comportamento brasileiro,
por uma simpatia ideológica anacrônica que confunde defesa de
direitos do contribuinte brasileiro
com imperialismo caboclo.
Antes, o chanceler Celso Amorim repetira sua tradicional resposta aos críticos: são todos oportunistas. Há muita estridência e
incorreções nas críticas, é fato,
mas é igualmente oportunista a
posição oficial de que é tudo herança maldita do governo FHC.
O governo teve mais de três
anos para eventualmente rever a
dependência do gás boliviano.
Não o fez porque o acordo lhe favorecia. Se não sabia que Morales
ia cumprir o prometido, com a
mão de Chávez o amparando, foi
ingênuo. Agora Amorim diz que
sua política externa é que garantirá uma boa solução para a crise,
numa inversão de sinais quase
constrangedora.
Já Evo Morales mostrou uma
reticência que não havia transparecido alguns dias atrás, quando
apareceu amparado por tropas
para mostrar o que era "propriedad de los bolivianos". A palavra
"chantagem da Petrobras" sumiu
de sua boca.
Mas foi Chávez quem saiu no
lucro da crise alheia. Fez um discurso de tutor, como se Morales
fosse um bom aluno. Deu pitacos
sobre o receituário "bolivariano"
para "refundar" a Bolívia: eleição
de uma Constituinte, nacionalizações. Antes, ainda, havia defendido a "integração bolivariana" no
eixo Caracas-La Paz.
Com tudo isso, fica difícil dizer
que é apenas preconceito achar
que Morales talvez seja despreparado para a função -artifício que
a correção política vigente entre
os "progressistas" da América Latina lança mão quando algum dos
seus pisa na bola.
O que não implica defender outro fetiche regional, à esquerda e à
direita, o golpismo. Morales foi
eleito e defende uma causa justa.
Se saberá o que fazer, é outra história, e os sinais da semana não
foram dos mais animadores.
Enquanto isso, segue a inexistente crise, segundo a definição
peculiar de Lula à sucessão de
eventos que o levou a convocar
outros três chefes de Estado a se
reunir emergencialmente.
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