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Lula escreve a Evo, que responde com ocupação
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva mandou, há mais de um
mês, carta a seu colega boliviano
Evo Morales, na qual tratava, de
forma abrangente, as relações
Brasil/Bolívia, passando, inexoravelmente, pela questão do gás.
Nem recebeu resposta.
Aliás, recebeu de forma indireta
e agressiva, com a nacionalização
determinada na segunda-feira,
seguida de ocupação militar de
refinarias da Petrobras.
O governo brasileiro, pelo que a
Folha pôde ouvir ontem, deu por
superada a indelicadeza de Morales, já que o tema da carta acabou
sendo tratado na reunião de Puerto Iguazú e seus resultados foram
considerados, na substância, satisfatórios.
Satisfatórios primeiro porque
Morales reiterou as garantias de
que o abastecimento de gás está
assegurado (para Brasil e Argentina). Tudo o que Lula não quer, na
antevéspera da eleição, é um apagão por conta de falta de gás, que
seria particularmente sentido pela indústria paulista, com efeitos
multiplicadores portanto.
É razoável supor que a garantia
de Morales é real, pela simples e
boa razão de que a Bolívia não
tem, ao menos por enquanto, para quem vender seu gás, fora Brasil e Argentina.
O segundo motivo pelo qual o
governo se deu por satisfeito com
o encontro na fronteira foi o compromisso conjunto de que não
haverá mais atos unilaterais na
questão energética. Tudo, inclusive o preço do gás, será negociado
bilateralmente.
A negociação tende a ser arrastada, mas para a campanha re
eleitoral de Lula não chega a ser
um problema, porque qualquer
aumento (de resto inevitável)
provavelmente só se dará após
outubro.
"Pirotecnia militar"
De todo modo, Lula queixou-se
de forma "extremamente franca",
na expressão ouvida pela Folha
da delegação brasileira, primeiro
do que chamou de "pirotecnia da
ocupação militar". Não era necessária, disse o presidente brasileiro
a seu colega boliviano, porque o
Brasil estava pronto para negociar
e discutir tudo, ainda mais porque
não questiona o direito boliviano
de recuperar o controle de seus
recursos naturais.
Para surpresa de Lula e de seus
assessores, o venezuelano Hugo
Chávez, contra o qual pesa a suspeita, no governo brasileiro, de
que faz um perigoso jogo duplo,
comportou-se como bombeiro e
não como incendiário. Aliás, não
é incomum que Chávez, ao chegar
ou ao partir de encontros internacionais, use com jornalistas uma
linguagem bombástica, mas, com
seus colegas governantes, seja
bastante suave e manso.
"Chávez teve uma atitude bastante cooperativa, insistindo no
diálogo e condenando ações unilaterais", ouviu a Folha de fonte
da delegação brasileira que prefere não ser identificada.
Aliás, no telefonema que trocou
com Lula anteontem, o venezuelano disse que até tentara ligar de
Havana, onde se encontrava, na
véspera da nacionalização, presumivelmente para avisar o presidente brasileiro do que faria Evo
Morales no dia seguinte. Mas não
conseguiu.
Outra queixa de Lula, dirigida a
Chávez e Morales, foi a de que o
ato unilateral abriu uma brecha
para que o que Lula chama de "setores conservadores" criticassem
a política externa e, por extensão,
o processo de integração sul-americana, que é velha menina dos
olhos da diplomacia brasileira,
desde, pelo menos, a gestão Itamar Franco (1992-1994). Tentava-se então, construir uma Alcsa
(Área de Livre Comércio Sul-Americana), contraponto já à
época da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), impulsionada pelos Estados Unidos.
O chanceler era então, como hoje, Celso Amorim.
O problema é que não são apenas os "setores conservadores",
desde o início hostis à política externa, que a criticam hoje. Os fatos também são contra. Caso, por
exemplo, da implosão da Comunidade Andina de Nações, abandonada por Chávez e que se supõe
que Morales também abandonará, quando a idéia do Brasil é
construir a integração bloco a bloco, usando os já existentes, ou seja, unindo CAN e Mercosul (este
também em cacos).
Quando essa ação concreta de
Chávez é levada ao governo, a resposta é um conformado "nós escolhemos o presidente do Brasil;
não o da Venezuela".
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