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OPINIÃO ECONÔMICA
Em casa de ferreiro,
espeto de pau
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Gosto muito dessa expressão popular. Ela guarda mais
sabedoria do que pode parecer ao
leitor mais exigente intelectualmente. Envolvido que estou nesse
debate sobre a questão da taxa de
câmbio no Brasil -a segunda vez
em dez anos-, vou utilizar a
imagem do título da coluna de hoje para avançar mais um pouco
nessa discussão. Em recente publicação, o banco americano JP Morgan discute a ocorrência da chamada "doença holandesa" no
Chile. Como esse debate está sendo feito por um banco de Wall
Street, não pode ser acusado de ser
obra de desenvolvimentistas irresponsáveis, como fazem aqui alguns jornalistas deslumbrados
-como ocorreu em 1996 e 1997-
com a situação econômica de curto prazo e economistas cegos pela
ideologia liberal extremada.
No Chile, a explosão do preço do
cobre nos mercados internacionais elevou vertiginosamente as
exportações desse produto. O preço do cobre aumentou mais de
300% entre abril deste ano e a média verificada em 2001. Com isso,
está ocorrendo uma valorização
expressiva da moeda chilena, que
começa a gerar pressão sobre suas
exportações agrícolas tradicionais. Como aqui, os preços desses
produtos estão estabilizados, fazendo com que a valorização do
peso chileno provocada pelas exportações de cobre reduza a competitividade dos produtores.
Lá, diferentemente do que ocorre aqui, a discussão sobre a ocorrência da "doença holandesa" tomou conta do debate econômico.
E o governo chileno resolveu tomar decisões que permitam evitar
os efeitos negativos de longo prazo
dessa situação favorável de seu
maior produto de exportação. Algumas medidas para limitar a valorização da moeda nacional já
foram tomadas e outras estão em
estudo. Uma primeira decisão foi
a de reduzir as taxas de juros e fomentar um maior crescimento da
economia e das importações. Para
permitir o controle da inflação, o
governo aumentou o superávit fiscal, criando, com isso, uma força
anticíclica na economia.
Alem dessas medidas de caráter
macroeconômico, o governo chileno criou um fundo em dólares no
exterior para lá manter sua parcela -quase 50%- das exportações de cobre. Com isso, diminui a
pressão sobre a moeda nacional
nos mercados cambiais e acumula
recursos importantes que podem
ter bom uso no futuro. Além disso,
estuda transformar em dólares
seu superávit fiscal e mantê-los
aplicado no exterior. Outras medidas poderão ser tomadas para evitar que a apreciação cambial motivada por um produto primário
-o cobre- prejudique no longo
prazo a estrutura produtiva do
país voltada para as exportações.
Enquanto isso, no Brasil, o governo assiste passivo à valorização
do real, negando de pés juntos a
existência de uma situação semelhante à chilena. O real aproxima-se rapidamente da marca dos dois
por dólar e, caso o BC decida na
próxima reunião do Copom reduzir a velocidade de queda dos juros Selic, essa marca poderá ser ultrapassada rapidamente. Caso isso aconteça, o mercado de câmbio
vai começar a trabalhar com a
perspectiva de uma taxa de câmbio de R$ 1,90 por dólar. Incrível.
E essa rosca sem fim deve continuar caso o governo não resolva se
mexer. Como o dólar barato tem
provocado um aumento impressionante do poder aquisitivo dos
salários mais baixos, o presidente
Lula transformou-se no grande
defensor dessa política insensata e
suicida. Afinal, seus eleitores estão
mais felizes com a situação econômica e, portanto, mais dispostos a
votarem nele em outubro próximo. Por outro lado, o Ministério
da Fazenda prefere não mudar a
política atual sob o argumento
que a economia esta crescendo, e a
inflação, controlada.
Mas os que ainda mantêm certa
racionalidade na avaliação de
médio e longo prazo de nossa economia não podem se calar. Por
mais difícil que seja manter esse
debate no ambiente quase eufórico em que vivem hoje a mídia especializada e os mercados financeiros. Não custa lembrar o leitor
da Folha que esse mesmo ambiente existia entre 1996 e 1997 no governo FHC, antes da crise da Ásia.
A situação de hoje é, ao mesmo
tempo, mais estável -e, portanto,
mais deletéria- e mais complexa
do que naquele período. Mais estável pois o excesso de dólares não
é fruto do endividamento externo,
e mais complexa porque sua solução exige medidas abrangentes no
campo monetário e fiscal. É preciso um intenso exercício de entendimento do que está ocorrendo em
nossa economia para que possamos sair dessa armadilha.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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