São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Em casa de ferreiro, espeto de pau

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Gosto muito dessa expressão popular. Ela guarda mais sabedoria do que pode parecer ao leitor mais exigente intelectualmente. Envolvido que estou nesse debate sobre a questão da taxa de câmbio no Brasil -a segunda vez em dez anos-, vou utilizar a imagem do título da coluna de hoje para avançar mais um pouco nessa discussão. Em recente publicação, o banco americano JP Morgan discute a ocorrência da chamada "doença holandesa" no Chile. Como esse debate está sendo feito por um banco de Wall Street, não pode ser acusado de ser obra de desenvolvimentistas irresponsáveis, como fazem aqui alguns jornalistas deslumbrados -como ocorreu em 1996 e 1997- com a situação econômica de curto prazo e economistas cegos pela ideologia liberal extremada.
No Chile, a explosão do preço do cobre nos mercados internacionais elevou vertiginosamente as exportações desse produto. O preço do cobre aumentou mais de 300% entre abril deste ano e a média verificada em 2001. Com isso, está ocorrendo uma valorização expressiva da moeda chilena, que começa a gerar pressão sobre suas exportações agrícolas tradicionais. Como aqui, os preços desses produtos estão estabilizados, fazendo com que a valorização do peso chileno provocada pelas exportações de cobre reduza a competitividade dos produtores.
Lá, diferentemente do que ocorre aqui, a discussão sobre a ocorrência da "doença holandesa" tomou conta do debate econômico. E o governo chileno resolveu tomar decisões que permitam evitar os efeitos negativos de longo prazo dessa situação favorável de seu maior produto de exportação. Algumas medidas para limitar a valorização da moeda nacional já foram tomadas e outras estão em estudo. Uma primeira decisão foi a de reduzir as taxas de juros e fomentar um maior crescimento da economia e das importações. Para permitir o controle da inflação, o governo aumentou o superávit fiscal, criando, com isso, uma força anticíclica na economia.
Alem dessas medidas de caráter macroeconômico, o governo chileno criou um fundo em dólares no exterior para lá manter sua parcela -quase 50%- das exportações de cobre. Com isso, diminui a pressão sobre a moeda nacional nos mercados cambiais e acumula recursos importantes que podem ter bom uso no futuro. Além disso, estuda transformar em dólares seu superávit fiscal e mantê-los aplicado no exterior. Outras medidas poderão ser tomadas para evitar que a apreciação cambial motivada por um produto primário -o cobre- prejudique no longo prazo a estrutura produtiva do país voltada para as exportações.
Enquanto isso, no Brasil, o governo assiste passivo à valorização do real, negando de pés juntos a existência de uma situação semelhante à chilena. O real aproxima-se rapidamente da marca dos dois por dólar e, caso o BC decida na próxima reunião do Copom reduzir a velocidade de queda dos juros Selic, essa marca poderá ser ultrapassada rapidamente. Caso isso aconteça, o mercado de câmbio vai começar a trabalhar com a perspectiva de uma taxa de câmbio de R$ 1,90 por dólar. Incrível.
E essa rosca sem fim deve continuar caso o governo não resolva se mexer. Como o dólar barato tem provocado um aumento impressionante do poder aquisitivo dos salários mais baixos, o presidente Lula transformou-se no grande defensor dessa política insensata e suicida. Afinal, seus eleitores estão mais felizes com a situação econômica e, portanto, mais dispostos a votarem nele em outubro próximo. Por outro lado, o Ministério da Fazenda prefere não mudar a política atual sob o argumento que a economia esta crescendo, e a inflação, controlada.
Mas os que ainda mantêm certa racionalidade na avaliação de médio e longo prazo de nossa economia não podem se calar. Por mais difícil que seja manter esse debate no ambiente quase eufórico em que vivem hoje a mídia especializada e os mercados financeiros. Não custa lembrar o leitor da Folha que esse mesmo ambiente existia entre 1996 e 1997 no governo FHC, antes da crise da Ásia. A situação de hoje é, ao mesmo tempo, mais estável -e, portanto, mais deletéria- e mais complexa do que naquele período. Mais estável pois o excesso de dólares não é fruto do endividamento externo, e mais complexa porque sua solução exige medidas abrangentes no campo monetário e fiscal. É preciso um intenso exercício de entendimento do que está ocorrendo em nossa economia para que possamos sair dessa armadilha.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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