São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

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ANÁLISE

Saindo da queda livre

KRISHNA GUHA
SARAH O'CONNOR
DO "FINANCIAL TIMES"

Quase dois meses depois que Ben Bernanke, o presidente do Fed (o BC dos EUA), pronunciou na TV as palavras "novos brotos" de recuperação, segue o debate para determinar se a economia mundial está começando a se estabilizar e se a crise estará encerrada em breve.
Diante dos problemas no início do ano -quando a economia mundial parecia estar caindo de um precipício, numa contração sincronizada de rapidez inédita-, parece que tivemos recuperação dramática. Embora quase todas as principais economias ainda estejam encolhendo, algumas aceleradamente, dados apontam para, no mínimo, uma moderação no declínio e, potencialmente, notícias muito melhores.
A perspectiva em diversas partes da Europa -entre as quais Reino Unido e Alemanha- e no Japão não melhorou muito, mas nos EUA e na China, os dois mais plausíveis propulsores de recuperação mundial, melhoras parecem claras.
Quatro desdobramentos são promissores: relaxamento nas condições financeiras mundiais; recuperação no crescimento chinês; fim aparente da queda nos preços das casas nos EUA e indicações de alta no consumo americano.
A questão é determinar se a atenuação da queda na atividade mundial é mesmo o final da desaceleração e o início de uma recuperação sustentável.
Na maioria das recessões, uma desaceleração no recuo conduz naturalmente ao fim da queda e depois a uma recuperação, à medida que investidores, empresas e consumidores preocupados com o apocalipse passam a crer que os excessos passados foram purgados e se tornou possível voltar a comprar, contratar e gastar.
O Instituto de Pesquisa do Ciclo Econômico (ECRI) diz que os EUA "estão à beira de uma virada positiva na direção de um ciclo de crescimento". E que, "ao longo dos últimos 75 anos, recuperações como essa, durante todas as recessões, foram sempre acompanhadas, entre zero e quatro meses mais tarde, pelo final da recessão. Não houve nenhuma exceção".
Na verdade, como o ECRI admite, há uma exceção: a Grande Depressão de 1931. Talvez não estejamos vivendo a segunda Grande Depressão, mas tampouco se trata de uma recessão comum, e os paralelos com 1931 são próximos o bastante para despertar preocupação quanto à possibilidade de que a transição usual de desaceleração no declínio para estabilização e recuperação talvez tampouco se sustente desta vez.
O crescimento será beneficiado temporariamente, neste ano, por um ciclo clássico de estoque. As indústrias reduziram tão rápido a produção no trimestre final de 2008 que ela agora está abaixo das vendas. Chegará o momento em que as empresas terão certeza de que os estoques excedentes foram esgotados e elevarão a produção para se equiparar ao nível de vendas atual. Isso deve propiciar um ou dois trimestres de crescimento. A questão é descobrir o que acontecerá depois.
A retomada de ritmo forte de crescimento na China é condição necessária mas não suficiente para a recuperação mundial. Com a Europa e o Japão em declínio, provavelmente será necessária uma recuperação interna nos EUA para produzir uma rápida reviravolta global. Isso é notável, se considerarmos que os EUA foram o epicentro da crise e, no passado, os países nessa situação só conseguiram retomar seu crescimento com as exportações.
Sheryl King, economista do Merrill Lynch, teme que "tenhamos um milagre de um trimestre de duração". O consumo mais alto foi propelido por estímulos extraordinários com benefícios-desemprego maiores e cortes nos impostos pessoais, que elevaram a renda disponível, ainda que a renda total nos EUA tenha caído com as demissões. Para o futuro, a menos que o mercado de trabalho americano melhore muito, é difícil ver de onde os consumidores poderiam tirar dinheiro para sustentar altas do consumo.
Além disso, o índice de poupança dos americanos, hoje de 4,2%, poderia subir muito mais caso eles tentem recuperar seus prejuízos patrimoniais.
Certamente, o percurso do consumo nos EUA ainda está muito indefinido. É possível que tudo se encaixe e que a solução dos problemas financeiros, o crédito mais barato, os preços mais altos das ações, a melhora no emprego, o avanço na confiança e o consumo sustentado se reforcem mutuamente, nos EUA e no mundo. Caso isso se comprove, novos brotos de recuperação florescerão, e os EUA -com a China- podem liderar o mundo em direção de uma recuperação sustentada ainda neste ano.
Mas também é possível que os brotos definhem, com a contração e a estagnação na demanda privada dos EUA, e certamente se houver recaída no setor financeiro.
O que é inegável, porém, é que pela primeira vez em muitos meses existem perspectivas de melhora, e não só riscos de baixa, no panorama mundial.


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