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ANÁLISE
Saindo da queda livre
KRISHNA GUHA
SARAH O'CONNOR
DO "FINANCIAL TIMES"
Quase dois meses depois que
Ben Bernanke, o presidente do
Fed (o BC dos EUA), pronunciou na TV as palavras "novos
brotos" de recuperação, segue o
debate para determinar se a
economia mundial está começando a se estabilizar e se a crise estará encerrada em breve.
Diante dos problemas no início do ano -quando a economia mundial parecia estar caindo de um precipício, numa contração sincronizada de rapidez
inédita-, parece que tivemos
recuperação dramática. Embora quase todas as principais
economias ainda estejam encolhendo, algumas aceleradamente, dados apontam para, no
mínimo, uma moderação no
declínio e, potencialmente, notícias muito melhores.
A perspectiva em diversas
partes da Europa -entre as
quais Reino Unido e Alemanha- e no Japão não melhorou
muito, mas nos EUA e na China, os dois mais plausíveis propulsores de recuperação mundial, melhoras parecem claras.
Quatro desdobramentos são
promissores: relaxamento nas
condições financeiras mundiais; recuperação no crescimento chinês; fim aparente da
queda nos preços das casas nos
EUA e indicações de alta no
consumo americano.
A questão é determinar se a
atenuação da queda na atividade mundial é mesmo o final da
desaceleração e o início de uma
recuperação sustentável.
Na maioria das recessões,
uma desaceleração no recuo
conduz naturalmente ao fim da
queda e depois a uma recuperação, à medida que investidores,
empresas e consumidores
preocupados com o apocalipse
passam a crer que os excessos
passados foram purgados e se
tornou possível voltar a comprar, contratar e gastar.
O Instituto de Pesquisa do
Ciclo Econômico (ECRI) diz
que os EUA "estão à beira de
uma virada positiva na direção
de um ciclo de crescimento". E
que, "ao longo dos últimos 75
anos, recuperações como essa,
durante todas as recessões, foram sempre acompanhadas,
entre zero e quatro meses mais
tarde, pelo final da recessão.
Não houve nenhuma exceção".
Na verdade, como o ECRI admite, há uma exceção: a Grande
Depressão de 1931. Talvez não
estejamos vivendo a segunda
Grande Depressão, mas tampouco se trata de uma recessão
comum, e os paralelos com
1931 são próximos o bastante
para despertar preocupação
quanto à possibilidade de que a
transição usual de desaceleração no declínio para estabilização e recuperação talvez tampouco se sustente desta vez.
O crescimento será beneficiado temporariamente, neste
ano, por um ciclo clássico de estoque. As indústrias reduziram
tão rápido a produção no trimestre final de 2008 que ela
agora está abaixo das vendas.
Chegará o momento em que as
empresas terão certeza de que
os estoques excedentes foram
esgotados e elevarão a produção para se equiparar ao nível
de vendas atual. Isso deve propiciar um ou dois trimestres de
crescimento. A questão é descobrir o que acontecerá depois.
A retomada de ritmo forte de
crescimento na China é condição necessária mas não suficiente para a recuperação mundial. Com a Europa e o Japão
em declínio, provavelmente será necessária uma recuperação
interna nos EUA para produzir
uma rápida reviravolta global.
Isso é notável, se considerarmos que os EUA foram o epicentro da crise e, no passado, os
países nessa situação só conseguiram retomar seu crescimento com as exportações.
Sheryl King, economista do
Merrill Lynch, teme que "tenhamos um milagre de um trimestre de duração". O consumo mais alto foi propelido por
estímulos extraordinários com
benefícios-desemprego maiores e cortes nos impostos pessoais, que elevaram a renda disponível, ainda que a renda total
nos EUA tenha caído com as
demissões. Para o futuro, a menos que o mercado de trabalho
americano melhore muito, é difícil ver de onde os consumidores poderiam tirar dinheiro para sustentar altas do consumo.
Além disso, o índice de poupança dos americanos, hoje de
4,2%, poderia subir muito mais
caso eles tentem recuperar
seus prejuízos patrimoniais.
Certamente, o percurso do
consumo nos EUA ainda está
muito indefinido. É possível
que tudo se encaixe e que a solução dos problemas financeiros, o crédito mais barato, os
preços mais altos das ações, a
melhora no emprego, o avanço
na confiança e o consumo sustentado se reforcem mutuamente, nos EUA e no mundo.
Caso isso se comprove, novos
brotos de recuperação florescerão, e os EUA -com a China-
podem liderar o mundo em direção de uma recuperação sustentada ainda neste ano.
Mas também é possível que
os brotos definhem, com a contração e a estagnação na demanda privada dos EUA, e certamente se houver recaída no
setor financeiro.
O que é inegável, porém, é
que pela primeira vez em muitos meses existem perspectivas
de melhora, e não só riscos de
baixa, no panorama mundial.
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