São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

Direção correta, velocidade errada


Corremos o risco de sermos atropelados pelo caminho no momento em que a economia mundial voltar a avançar

A OLHO nu, parecem duas notícias sensacionais. Primeira, a taxa básica de juros, a Selic, foi reduzida para o mais baixo nível de sua história. Segunda, o Brasil não é mais o campeão mundial dos juros (reais) altos -perdeu a posição para China e Hungria.
Usei uma parte do feriado do Dia do Trabalho para examinar com lupa essas notícias. E elas não têm nada de sensacional, por duas razões: porque a taxa básica, reduzida na semana passada de 11,25% para 10,25% ao ano, ainda é uma aberração mundial; e porque os juros cobrados no mercado continuam em níveis absurdos e chegam a atingir 1.500% ao ano em algumas financeiras nas linhas de empréstimo pessoal.
Nesse contexto, beira ao deboche comemorar a redução da Selic para 10,25%. Basta mostrar que, num grande banco, a despeito de toda a pressão para a redução dos "spreads", o corte da Selic resultou em baixa burocrático-simbólica que varia de 0,05% a 0,08% ao mês na taxa de juro. As taxas mensais, no crédito para pessoa física, continuam entre 6% e 9% ao mês.
É ocioso ficar repetindo a importância dos juros baixos para o crescimento da economia. Qualquer pessoa sabe: na ponta do consumo, o crédito barato estimula as vendas e a demanda e, por consequência, a produção; na ponta da oferta, incentiva investimentos produtivos.
Cabe alertar de que o país volta incorrer, neste momento de luta contra a crise global, no mesmo erro cometido nas últimas duas décadas. Perde-se, mais uma vez, uma oportunidade de ouro de colocar o país em linha com o mundo civilizado em matéria de juros.
Tirando a questão da remuneração da caderneta de poupança -que pode ser resolvida-, não existe nenhuma razão para o país ser a nota dissonante nesse mundo em que os juros nominais médios variam hoje de 4% a 5% ao ano. A economia está com taxa de crescimento em torno de zero, a inflação e o câmbio, em queda, e inexistem pressões de demanda para justificar juros de 10,25%.
Por várias razões, entre elas o neoliberalismo e a falta de coragem, o país perdeu as mais recentes oportunidades de surfar ondas de crescimento mundial. Foi assim nos anos Clinton e foi assim nesta primeira década do século 21. O fato de a taxa de 10,25% ao ano ser a menor da história mostra quão forte tem sido o freio monetário ao crescimento da oferta e da demanda no país.
É voz corrente, aqui e no exterior, que o Brasil tem condições de sair desta crise mais rapidamente do que outros países. Essa oportunidade é real e uma parte da política oficial tem sido corajosa, com desonerações tributárias e oferta de créditos. Começo a desconfiar, entretanto, de que o apego à ideia de que "devagar se vai ao longe", na área monetária, pode nos prejudicar mais uma vez.
Já são notadas mudanças para um cenário mais benigno no mundo. Nos EUA, país que deu origem à crise, houve redução no número mensal de pedidos de auxílio-desemprego. No primeiro trimestre, o consumo das famílias, surpreendentemente, aumentou 2,2% e levou as pessoas a olhar para a frente e a esquecer a queda anual do PIB de 6,1%.
Pode ser fogo de palha, mas também há a hipótese de que esses sinais já reflitam as pesadas medidas fiscais e monetárias adotadas em todos os países do mundo.
Por aqui, em nome de "uma política monetária falsamente cientifica", como diz o mestre Delfim Netto, ou por medo mesmo, andamos na direção certa, mas na velocidade errada. Assim, corremos o risco de sermos novamente atropelados pelo caminho no momento em que a economia mundial voltar a avançar.


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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