São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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Liminares não garantem direito de gastar energia

SILVANA DE FREITAS
WILSON SILVEIRA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As pessoas que deixarem de racionar energia confiantes na validade de liminares que suspendem o corte no fornecimento ou a cobrança da sobretaxa correm o risco de enfrentar punições.
Mesmo com a mudança no plano de racionamento, o governo não descarta o surgimento de uma nova batalha judicial, mas acredita que ela será menos intensa.
A AGU (Advocacia Geral da União) mantém o estudo sobre a conveniência de entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que a nova versão do plano seja declarada constitucional.
O risco de punições futuras para os que apostarem em liminares deve-se à incerteza jurídica em torno do racionamento, gerada principalmente pelo fato de que a liminar é um tipo de decisão judicial provisório e de caráter precário, o que significa que ela pode ser cassada a qualquer momento.
Por serem provisórias e precárias é que, se cassadas, as liminares provavelmente deixarão de valer desde o momento em que foram concedidas, como ocorreu em 1999 na batalha judicial sobre a cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Caso isso ocorra, as pessoas que não cumprirem a meta de economizar energia durante a vigência de uma liminar ficarão sujeitas ao corte e à sobretaxa imediatamente após a sua cassação.
Essa avaliação foi feita por um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e outro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) ouvidos pela Folha.
Os dois disseram que a situação é ainda mais incerta para quem apostar na abrangência de decisão concedida pela Justiça Federal de outro Estado. Exemplo: um morador do Rio de Janeiro imaginar-se beneficiado pela liminar de Marília (SP).
Mesmo as ações civis públicas, que são coletivas, têm o seu alcance restrito ao Estado em que foram concedidas, conforme uma lei de 1997, cujo teor foi confirmado pelo Supremo.
Esse é o caso das liminares concedidas por juízes federais de Marília e de Belo Horizonte em ações civis públicas. Pela lei 9.494, elas estão restritas a São Paulo e a Minas Gerais.
No primeiro caso, o autor da ação é o Ministério Público Federal. O juiz da causa, Salem Jorge Cury, determinou a abrangência nacional, mas a questão é polêmica. A segunda ação foi proposta pelo Movimento das Donas-de-Casa e Consumidores de Minas Gerais.
Os ministros consultados consideram que há contradição nas leis sobre as ações coletivas. A lei que criou as ações civis públicas, de 1985, deu a elas abrangência nacional, mas, em 1997, uma medida provisória, depois transformada em lei, limitou-as.
Na época, o governo baixou essa norma para barrar as liminares que concediam aumentos ao funcionalismo público, particularmente o reajuste de 28,86%.

Batalha judicial
Nos poucos dias em que vigoraram as determinações anteriores sobre o plano de racionamento, elas geraram 66 ações judiciais, segundo levantamento da AGU.
Do total, 18 tiveram liminares apreciadas: em 14 casos elas foram concedidas e em outros quatro, negadas. A maioria é ação individual. Só em uma liminar, a de Marília, o juiz cita a abrangência nacional.
A AGU vai pedir à Justiça que considere prejudicadas as 14 liminares concedidas em razão das alterações na medida provisória que criou o "ministério do apagão". Os advogados da União irão argumentar que as ações contra o plano de racionamento se baseiam em uma versão não mais existente da medida provisória.
Com base nesse fato, eles irão sustentar que a atual controvérsia jurídica está extinta.
Na semana passada, o governo sofreu duas derrotas importantes. As duas principais liminares, das ações coletivas de Marília e de Belo Horizonte, foram confirmadas pelos tribunais regionais federais -a segunda instância.

Efeito para todos
Diante dessas derrotas, o governo decidiu então recorrer diretamente ao Supremo para que o plano de racionamento seja declarado constitucional.
A ação declaratória de constitucionalidade, em estudo pela AGU, só pode ser movida quando o assunto é considerado relevante e há decisões judiciais conflitantes das instâncias inferiores.
Se o governo entrar com essa ação e o STF conceder liminar, a decisão valerá para todo o país e terá efeito vinculante, ou seja, obrigará os juízes, em tese, a segui-la.
Ao reeditar ontem a medida provisória que criou o "ministério do apagão", o governo suspendeu a proibição de uso do Código de Defesa do Consumidor em ações de consumidores residenciais contra o plano.
Esse era o ponto mais polêmico. Ministros do STF haviam afirmado, em caráter reservado, que ele era inconstitucional. O governo acredita que, com a nova versão da MP, está acolhendo as reivindicações dos órgãos de defesa do consumidor.


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