São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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LUÍS NASSIF

O aprendizado com a crise

A atual crise energética é desses capítulos fundamentais na caminhada nacional, dependendo da maneira como for encarada. Trata-se de um fracasso evidente e ostensivo do governo FHC, mas não do fracasso do novo ou de uma vitória do velho. Dir-se-ia que foi o fracasso do velho, que dominou a forma de gestão do governo FHC, em contraposição ao novo, que se manifestava em conceitos e discursos.
FHC representa um tipo de personagem nacional exaustivamente estudado nos clássicos, de Manoel Bomfim a Paulo Prado, de Prado a Sérgio Buarque. É o intelectual internacionalista, que importa as últimas novidades, mas não sabe adaptá-las à realidade nacional, que têm fé extraordinária no poder de sedução das palavras e um desprezo absoluto por toda forma de trabalho -compreendidas, aí, formas de conhecimento diretamente ligadas à produção, como gestão e planejamento, vistos por esses personagens como primos irmãos do trabalho manual. Julgam que basta o discurso para operar as transformações.
Nos anos 90 ganhou corpo no Brasil a noção de gerência, primeiro, e de gestão estratégica, depois. Foi um processo que começou no setor privado no início dos anos 90 e cresceu após a estabilização econômica.
A estabilidade econômica permitiu o avanço dos novos valores gerenciais e de planejamento, mas esses valores não impregnaram o governo FHC. Houve ensaios brilhantes -como o "Avança Brasil"-, que lançaram as sementes do planejamento no governo, mas sem conquistar coração e mente de FHC e, consequentemente, do governo como um todo.
A explosão da crise energética destrói não apenas a reputação do governo FHC como passa a consagrar novos valores éticos, políticos e econômicos, dos quais nenhum futuro dirigente escapará. O desafio consistirá em permitir o avanço, a consolidação das novas práticas e valores.
O primeiro deles é que, daqui para a frente, dificilmente a opinião pública aceitará cargos técnicos sendo objetos de barganha, oferecidos a políticos sem expressão ou sem competência. Ainda há espaço para a gestão política nos ministérios, mas que tem que estar subordinada a mecanismos de gestão eficientes. É possível aceitar que, principal ferramenta do governo para o combate à crise energética, Furnas continue nas mãos de um político sem nenhuma experiência com o setor?
O segundo ponto é que vai se deixar de enaltecer o improviso e as formulações genéricas na gestão pública. A mística dos milagres econômicos está definitivamente sepultada. O setor público necessita de quem bote a mão na massa e trabalhe a solução de problemas. Na próxima campanha eleitoral, vai ganhar espaço o candidato que se mostrar gerencialmente apto, que souber trabalhar com ferramentas de gestão e de planejamento.
Terceiro ponto relevante é a necessidade da articulação do Estado com a sociedade, por meio da criação de fóruns que permitam compartilhamento de experiências e de propostas. Nesse item, ponto relevante é a sociedade se armar melhor para regular os governantes, não apenas em relação a supostos escândalos, mas em relação a indicadores de desempenho. É fundamental que surjam ONGs ou o nome que se dê, responsáveis pela avaliação de indicadores de desempenho do setor público, no campo da qualidade, da produção e das finanças.
Finalmente, sobressai a importância do operador político com a opinião pública o ministro ou porta-voz que consiga vocalizar as propostas oficiais e identificar as demandas da opinião pública. FHC perdeu seus dois últimos operadores de opinião pública com a renúncia de Luiz Carlos Mendonça de Barros e com o recolhimento estratégico de José Serra.

Filósofos
A moral espírita consagra os empreendedores, pois diz que os avanços da humanidade se dão por meio de quem corre o risco e cria riqueza e emprego. A moral protestante consagra o trabalho e a iniciativa individuais. Agora surge uma nova espécie de catão moral: o que diz que só estão habilitados a discutir idéias os acomodados. Esses poderão até ganhar o reino dos céus. Mas, para frequentar o reino das idéias, terão de deixar o acomodamento de lado, começar a ler um pouco e arriscar alguma forma de raciocínio que vá além do patrulhamento primário.


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