São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Ficou mais difícil bater no BC


Economia começa a ranger com juros reais de 7% e PIB a 5%. Só reclamar de juros não vai azeitar a engrenagem

É FÁCIL bater no Banco Central -se por mais não fosse, as diretorias do BC tantas vezes o mereceram. Mas, depois de quase 15 anos do início do controle da inflação no país, os dados sugerem que começa a haver alguma encrenca nos preços quando a taxa real de juros ronda os 7%, 8% ao ano, como ocorreu no ciclo de desafogo monetário mais recente. Não é um número mágico, nem é um "piso" nem se pode dizer que há um padrão nesse caótico e volátil período que começou em 1994, com solavancos atenuados apenas a partir de 2004.
A encrenca do presente repique da inflação tem alguma colaboração dos preços mundiais. Mas o "contágio", se é que se pode falar assim, foi muito favorecido pelo consumo aquecido no país. Juro real entre 7% e 8% e economia rodando a 5% ao ano são uma combinação que parece dar o que pensar -e dá inflação.
O excesso de gasto público e/ou algumas restrições de oferta doméstica ficaram evidentes também no aumento rápido do déficit em conta corrente. Há defensores da hipótese de que "desta vez é diferente". Isto é, que cresceu o potencial da economia de reagir à alta da demanda com aumentos de produtividade e de investimentos, como dizem CNI e Fiesp. De fato, a força e a duração do ciclo de alta do investimento são inéditos desde 1995, quando de resto a base de comparação era baixa e o país vinha da hiperinflação.
Pode ser que os industriais estejam certos. Mas, no curto prazo, daqui a um ano, digamos, não dá para saber direito. No curto prazo, controla-se inflação com juros. Como a reação do BC aos preços não tem sido histérica, está difícil bater no BC e bater apenas na tecla dos juros.
Além do curto prazo, porém, haveria, sim, o que fazer. Mas o debate sobre mudanças parece esmagado pela popularidade do governo e atrapalhado por propostas e programas de reformas estereotipados (ou apenas idiotas) de um lado a outro do espectro político-econômico.
A economia sofre periodicamente de restrições de oferta que, a julgar pela história brasileira, inclusive a mais recente, não vão ser resolvidas apenas via decisões de mercado, tese que é motivo de troça clichê e mal argumentada de gente dita ortodoxa. Do outro lado, é tabu discutir coisas como a segmentação do mercado de crédito, crédito direcionado, juros mais ou menos tabelados e poupanças forçadas, coisas que parecem afetar o patamar da taxa básica de juros (a "decidida" pelo BC).
Quanto a limitar os excessos de gasto público e a dívida, parece enfim se formar algum consenso (vide o que economistas não exatamente ortodoxos têm dito a Lula).
O mais evidente, porém, é que a economia brasileira começa a ranger com juros de 7%, 8%, e PIB correndo a 5%. Não se trata de maldição. Mas parece difícil dar o salto adiante apenas com a atual política do feijão-com-arroz mal temperado.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: BC eleva juros em 0,5 ponto, para 12,25%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.